A metodologia da Filosofia Clínica contempla elementos que constituem a estrutura de pensamento e os modos de agir de cada pessoa. Alguns elementos, como a inversão e a recíproca, podem estar tanto na espacialidade intelectiva quanto nas ações do indivíduo. Simplificadamente, inversão é o movimento de trazer o outro ao seu próprio mundo, enquanto a recíproca é ir em direção ao outro.
No espaço terapêutico, a
recíproca pode fazer parte da qualificação da relação terapeuta/partilhante,
sendo utilizada pelo terapeuta que escuta, acolhe e, principalmente, se isenta
de suas perspectivas do mundo e das relações diante do discurso existencial do
partilhante. Assim, considera essencialmente o outro para possibilitar o espaço
da construção compartilhada.
Em um esboço preliminar, através
do discurso existencial do partilhante, a recíproca pode aparecer como tópico
importante da estrutura de pensamento. Com a evolução do tempo terapêutico,
através do acesso à historicidade, às circunstâncias, à linguagem compartilhada
e a outros tópicos e ações presentes na malha intelectiva do partilhante, por
vezes o que o discurso apresentava como recíproca acaba por qualificar-se como
inversão.
Na experiência da prática
terapêutica, quando acontece a compreensão da posição de inversão pelo
partilhante, antes vista por ele como recíproca, pode acontecer um processo
autogênico tanto na relação com o outro e seus interesses sociais, como na
relação consigo mesmo. Questionamentos de como o mundo parece, quem sou, quais
são os significados, verdades e influências agendadas na estrutura de
pensamento podem propiciar uma revolução na malha intelectiva. “Ao se tornar
íntegro consigo mesmo e vivenciar uma nova condição existencial, o sujeito pode
mudar o lugar onde vive, o nome, valores, verdades subjetivas. Esse ensaio, ao
modificar a autogenia, abre perspectivas e ressignifica a representação de
mundo ao seu redor.” (Hélio
Strassburger. 2021 p. 173)
Através de deslocamentos a
momentos da historicidade, a compreensão do que antes vinha a ser a relação com
outro passa a ser vista como a relação apenas consigo. A partir da
desconstrução dada pela descoberta sutil da variação da sua própria estrutura e
das ações que a acompanham, o partilhante se vê desconfortável no próprio
endereço existencial, e o processo autogênico se instala para a reconstrução do
eu no mundo.
Neste momento, diante de tamanha
ressignificação pessoal, a importância do acolhimento terapêutico é crucial.
Cabe ao filósofo clínico compreender o novo lugar habitado pelo partilhante e
colocar suas intervenções pautadas no contexto da historicidade compartilhada
no espaço terapêutico.
*Paula Zabatiero
Filósofa Clínica
São Paulo/SP
**Texto originalmente publicado
na edição de inverno da Revista da Casa da Filosofia Clínica.
Referências:
Caruzo, Miguel Ângelo. Introdução
à Filosofia Clínica. Petrópolis, Editora Vozes, 2021.
Strassburger, Hélio. Filosofia
Clínica, anotações e reflexões de um consultório. Porto Alegre: Sulina,
2021.
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