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Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) já lera biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida, pelo menos de vida interior"  "(...) Vivia de coincidências, vivia de linhas que incidiam e se cruzavam e, no cruzamento, formavam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que era mais feito de segredo" "Estava no seu pequeno destino insubstituível passar pela grandeza de espírito como por um perigo, e depois decair na riqueza de uma idade de ouro e de escuridão, e depois perder-se de vista" "Ela indicava o nome íntimo das coisas, ela, os cavalos e alguns outros; e mais tarde as coisas seriam olhadas por esse nome" "(...) a vida que se leva por dentro não é a vida terrena" "Já agora nem sabia se vira o céu por si mesma como quem vê o que existe ou se pensava em céu e conseguira inventá-lo"    "(...) Para nascer as coisas precisam ter vida" "Queria saber: depoi

Subjuntivos***

                                           Talvez esse imenso lugar nativo ficasse inexplorado, não fora o movimento desconcertante a acessar as inéditas regiões. Essa aptidão de estranhamento, tão desmerecida, aprecia desnudar o espaço novo diante do olhar, interseção limiar com as demais teias discursivas. Através do viés desconsiderado é possível apreender e dialogar com a pluralidade transgressora das fronteiras conhecidas. Ao fazer possível o impossível se pode vislumbrar a ótica selvagem, um pouco antes de ser cooptada pelo saber instituído.   A cogitação sobre a origem dessa matriz já contém, em si mesma, a multiplicidade de versões. As lógicas da incerteza elaboram seus vocabulários brincando com os vestígios da irrealidade. O devir instintivo ensaia relatividades ao querer mostrar paradoxos, alternâncias, dialetos para se entender ou sentir que a perfeição de toda imperfeição nem sempre vai ser explicável.   Sua opinião escolhe desmerecer todo beco sem saída. S

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) o sentido obtuso parece desdobrar suas asas fora da cultura, do saber, da informação; analiticamente, tem algo de irrisório; porque leva ao infinito da linguagem, poderá parecer limitado à observação da razão analítica; pertence à classe dos trocadilhos, das pilhérias, das despesas inúteis; indiferente ás categorias morais ou estéticas, enquadra-se na categoria do carnaval" "(...) proponho denominar este signo completo o sentido óbvio. Óbvio quer dizer: que vem à frente, e é exatamente o caso deste sentido, que vem ao meu encontro (...) Quanto ao outro sentido, aquele que é 'demais', que se apresenta como um suplemento que minha intelecção não consegue absorver bem, simultaneamente teimoso e fugidio, proponho chamá-lo sentido obtuso" "Procedimento inovador, raro, sustentado contra uma prática majoritária (a da significação), o sentido obtuso surge, fatalmente, como um luxo, uma despesa sem retorno; esse luxo ainda não faz parte da po

Mais do que erudito, o estudante de Filosofia deve ser um pensador*

A concepção do estudo filosófico como um processo de aquisição de conteúdos, a ponto de tornar o estudante um erudito, não só é recorrente como constitui uma característica comum quando se pensa em uma formação filosófica. É nesse sentido que Folscheid e Wunenburger afirmam que: “A tentação clássica de muitos estudantes sérios é [...] enxergar com complacência essa operação de recuperação, que consiste em suprir as próprias fraquezas pela riqueza de pensamentos que se acumulam como bens adquiridos”[1]. Trata-se, portanto, de uma tentação que não se encontra somente presente na vida do estudante mediano, como também na prática dos estudantes sérios. Desse modo, ao ceder a essa tentação, o estudante torna-se pronto para defender todas as questões apresentadas pela filosofia valendo-se, para isso, daquilo que os outros filósofos disseram. Com isso, um estudante de filosofia, tratará a filosofia como um corpo de respostas às perguntas que lhe são feitas ou como um oráculo d

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) A tradição é a muralha do passado que envolve o presente e que é preciso transpor para penetrar no futuro: porque a natureza não admite pausa no conhecimento (...) Sem cessar cria homens que o excesso de suas forças arrasta, como conquistadores, das margens conhecidas da alma para as zonas novas do coração e do espírito, através do sombrio oceano do desconhecido" "(...) quase sempre, a característica do gênio, como encarnação da alma de uma tradição nova, é combater a do passado e declarar guerra à geração findante na sua qualidade de anunciador de uma raça nova. Um gênio e sua época são como que dois mundos que permutam entre si suas luzes e suas sombras" "(...) Um estimulante extraordinário e o exemplo mais grandioso que possa encontrar uma vontade criadora em marcha para o inacessível" "Balzac não deve ser julgado, segundo um dos seus livros tomado em particular, mas, de acordo com o conjunto, deve ser considerado como uma p

Considerações de um Filósofo Clínico*

Leio que um americano lançou-se à morte num foguete construído em seu quintal com o propósito de provar que a Terra não é esférica. * * * Amigos, nenhum teólogo, nenhum cientista, nenhum filósofo jamais supôs que a Terra tivesse qualquer formato que não o esférico - não, pelo menos, desde Eratóstenes de Cirene, no século III a.C. Isso é conhecimento básico de história: não somente Eratóstenes provou, acima de qualquer dúvida, a esfericidade da Terra, como também calculou, com alguma precisão, a circunferência do planeta. * * * No Almagesto, publicado no século II, Claudio Ptolomeu também demonstra cabalmente, por várias razões, que a Terra não pode ter nenhum outro formato que não o esférico. Entre 2010 e 2018, eu levava aos meus alunos do segundo ano do ensino médio um trecho mais ou menos longo do Almagesto - mais especificamente, a passagem em se prova a esfericidade da Terra. O estudo desse texto era requisito para que pudéssemos começar a discutir temas

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"A imaginação inventa mais que coisas e dramas; inventa vida nova, inventa mente nova; abre olhos que têm novos tipos de visão. Verá se tiver 'visões'. Terá visões se se educar com devaneios antes de educar-se com experiências, se as experiências vierem depois como provas de seus devaneios" "A verdadeira poesia é uma função de despertar" "(...) uma valorização dos devaneios inconfessados, dos devaneios do sonhador que foge da sociedade, que pretende tomar o mundo como único companheiro. Por certo, essa solidão não é completa. O sonhador isolado guarda em particular valores oníricos ligados à linguagem; guarda a poesia própria da linguagem de sua raça. As palavras que ele aplica às coisas poetizam as coisas, valorizam-nas espiritualmente num sentido que não pode fugir completamente das tradições" "Os sonhos que viveram numa alma continuam a viver em suas obras" "(...) Em nosso sono, são as lendas que sonham"

Paradoxo das Sincronias - Nunca se está sincronizado totalmente com o mundo*

“Mas sem a integração da crueldade pela vida, também não haveria vida.”                                                                                Edgar Morin Recolher a dor, deixar o tempo tomar conta do instante vivido, deixar de ir ao encontro do que anos atrás se fazia presente, quando a memória podia ser a guardiã. Nesta viagem de agora não estar nem no início e já temer o fim abrupto do mal que surge no horizonte: estrondos e explosões. O tempo que não foge do corpo, está colado nas paredes da alma, invisível é parte de todo o universo. Um breve esquecimento, o tempo que te salva é o mesmo que passa sem retorno programado. É como ter o controle da memória sem mesmo saber o caminho certo por onde ela anda esse tempo todo. Reprogramar a vida, autoanálise, pensar que os encontros sempre foram parte importante da formação da pequena história de cada corpo. Aqui estou. Reflito sobre a capacidade de encarar a vida sem perder os fios que ligam a memória ao tempo.

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"A ficção fica do lado do singular - e o singular não se compara a nada, não se enfileira em ordem alguma" "Há que considerar ainda que, como todo grande artista, Pablo Neruda jamais deixou de se metamorfosear, arrancando sempre a pele conhecida para expor, sob ela, outra ainda mais surpreendente"  "A ficção não põe em dúvida a verdade, ao contrário, realça seu caráter complexo; não descarta a verdade abjetiva, ao contrário, enfatiza sua turbulência. Ela não deseja explicar, ou fixar nada; não se interessa por balanços e conclusões. Aposta, apenas, na verdade do singular. Verdade que, a cada vez é outra verdade"  "Função da literatura: descortinar novas maneiras de ver o mundo. Outra função: desestabilizar, desarranjar, desassossegar" "(...) Escreve em busca de uma resposta, mas permanece na pergunta, já que os grandes livros não fornecem soluções, mas, ao contrário, as destroem" "A literatura só chega a se

Encontro da Iris com um olhar*

A Íris dos seus olhos é a Íris que, de repente, eu encontrei e que me comoveu, se tornando uma poesia que passei a buscar sentir no cotidiano de um novo horizonte a cada dia... É nessa energia que procuro vibrar cada vez mais... Na verdade, é Íris o nome de toda e qualquer mulher que se conheça e que, por isso, esteja conectada a sua ancestralidade. Íris está integrada nas almas capazes da compaixão, da solidariedade e da firmeza toda vez que se fizer necessário lutar por justiça. A grande Íris, filha de Taumas e de Electra, que na mitologia grega era a personificação do "arco-íris" capaz de unir a Terra e o Céu de qualquer mundo; era também a mensageira plena dos deuses na Ilíada. Mas a sua inegável grandeza e poder que era a expressão clara do seu próprio feminino, passou a incomodar cada vez mais covardes muito poderosos culminando na sua exclusão da Odisseia dada simbolicamente pela traição de Hermes que tomou o seu lugar. E se para quem sabe mesmo ler nas

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"Ensina-nos a ver e escutar o Universo como se só agora tivéssemos dele a sã e súbita revelação. Reconduz a nossos olhares a graça de uma Natureza que desperta. Devolve-nos as horas encantadoras da manhã primitiva banhada de criações novas" "(...) Como realidade, só existe uma: o instante. Duração, hábito e progresso são apenas agrupamentos de instantes, são os mais simples dos fenômenos do tempo" "Para as concepções estatísticas do tempo, o intervalo entre dois instantes é apenas um intervalo de probabilidade; quanto mais seu nada se alonga, maior é a chance de que um instante venha terminá-lo" "(...) ela leva em conta não apenas os fatos, mas também, e sobretudo, as ilusões - o que, psicologicamente falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do espírito é ilusão antes de ser pensamento" "(...) Mas a função do filósofo não será a de deformar o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrato do concr

Prolegômenos sobre a vida nas coisas*

                                                           “(...) Caravelas sonhando imóveis sobre velhos pianos...”                                                                                    Mário Quintana Na ótica das coisas, existe um deus que as faz nascer, morrer, reviver. Nelas mesmas, se encontra a versão silenciosa das múltiplas possibilidades. Tem as coisas que ofuscam a visão e as que a pluralizam, ainda àquelas à espera do olhar absurdo. Esse contexto de caos e harmonia convive na estrutura de quase tudo.           À primeira vista as coisas podem enganar intencionalidades. Ao lhe atribuirmos um nome, condição ou propriedade, ainda assim não se esgota sua condição original. Ao distorcer a impressão inicial, é possível atribuir-lhe um novo significado, concedendo-lhe razões desconhecidas. Ao ser inenarrável de forma definitiva, carrega a vertigem de suas outras regiões. Entre uma subjetividade e outra, as coisas reivindicam uma chave de acesso. Par