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Tempo

Lúcio Packter
Pensador da Filosofia Clínica


Um pouco antes seria dia, um pouco depois seria ao entardecer, e se escolhesse o momento não seria a hora. Então pensou em deixar para depois, mas percebeu que isso acabaria sendo nunca. Achou que poderia talvez ser imediatamente. E o que era imediatamente? Porque agora não podia ser e imediatamente não é quase agora?

Assim, Pedro se perguntou se algo poderia ser de tal forma que não coubesse em tempo algum. Existiria algo que somente pudesse se pronunciar e ser se não fosse colocado em qualquer parte do tempo? Tipo essas coisas que falam como a eternidade, o infinito, a dízima periódica; parecem coisas que passam pelo tempo, mas que não estão nele.

Pedro vivia um dilema. Achava que suas questões não podiam ser colocadas na ordem usual do tempo, não tinham como ser definidas a partir de ontem, hoje, amanhã, pois isso modificaria radicalmente tudo e ele ficaria apenas com outro problema, não mais o problema original. O problema original não cabia em qualquer modalidade do tempo, não tinha como se relacionar com ponteiros, relógios, prazos.

Quando disseram a Pedro que ele estava para enlouquecer com esta bobagem toda, que no fundo estava apenas fugindo de alguma coisa que o ameaçava, Pedro usou um exemplo. Ele disse que quando amava, quando em sua vida estava apaixonado por alguém, isso se tornava incompatível com os horários, os relógios todos, os períodos e com qualquer coisa que lembrasse prazos. Disse que, para ele, o amor espalhava, encurtava, quebrava e juntava o tempo de tal forma que nem tempo o tempo mais era.

Houve então um outono no qual Pedro desapareceu. A polícia, os amigos, o imposto de renda, todos o procuraram, porém ele não era mais achado em parte alguma. Isso porque ao amanhecer, com a névoa fresquinha da noite e algumas estrelas no céu, Pedro havia de descomposto em nuvens, em brisas, em outono. Pedro se misturava aos montes que contornam as estradas, para todas as partes, mais ou menos como se diz do que se torna para sempre.

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