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Mostrando postagens de outubro, 2022

Silêncio que acolhe*

Gostaria de relatar uma ida minha ao Teatro, quando a noite terminou com forte emoção e muitas reflexões. Era uma noite fresca em São Paulo, dia 26 de fevereiro de 2011, o Teatro Tucarena. A peça, Dueto Para Um, uma adaptação de um dos textos mais conhecidos do inglês Tom Kempinski, inclusive virou filme em 1986 dirigido por Andei Konchalorsky e roteirizado pelo próprio Tom Kempinski, no Brasil foi batizado de Sede de Amar tendo a atriz Julie Andrews no papel do personagem Stephanie. Texto bem escrito, diálogos fortes, a história verídica conta a trajetória da renomada violoncelista inglesa Jacqueline Dupré, que no auge da sua carreira profissional, vê-se impedida de exercer sua vocação por adquirir uma doença degenerativa. A violoncelista vivia em Londres, concertista de renome internacional, era um dos gênios da arte interpretativa do séc. XX segundo João Carlos Martins. Casada com o pianista e maestro Daniel Baremboim é por ele incentivada a procurar uma ajuda terapêutica para cui

El instante aprendiz***

*Traducción:  Prof. Dra. Arantxa Serantes   Al esbozar apuntes sobre una lógica de la locura, un envés del absurdo se desvela en astillas de múltiples caras. Frontera donde la normalidad se reconoce en sus paradojas.   Una de las características de la expresividad delirante es ensimismarse en desacuerdo con el mundo alrededor. Crea dialectos de difícil acceso para proteger sus versiones de mayor intimidad.   El papel de la Filosofía Clínica en la intersección con la crisis inmediata también es presentación indeterminada en un proceso caracterizado por la exageración de la manifestación del que comparte. Un no saber vehicula provisionales verdades en el compartir deconstructivo de las sesiones. Representaciones existenciales difusas se alternan en narrativas del tiempo de la persona. El lenguaje de la locura se constituye en un conjunto de convivencias estúpidas. El punto de partida es la extraordinaria lengua de la persona estructurada en alguna forma caótica.   Ernst Cassirer

Intervenção literária já!*

  Palavras são apenas palavras para quem não sabe ler, para quem não sabe ouvir, para quem não sabe sentir, por exemplo, que há poesia em tudo e quando não inspira, ensina demais. A poesia sempre pode nos transformar e é você quem escolhe se será por dor ou por amor. Mas, se palavras fossem apenas palavras e nada mais, não haveria escrituras, nem contratos, nem constituições inteiras e, pior ainda, não haveria nos contatos humanos nem entendimentos, nem acordos, nem abraços, nem mesmo a poesia. Porventura, as palavras são a expressão das impressões, dos sentimentos, da consciência; são de forma pujante a expressão da vida. Afinal, a arte imita a vida e é por isso que as palavras pulsam tanto aqui e agora sempre em forma de poemas provocados por você. Musa! ***** Intervenção literária já!!! Esse é o meu apelo!!! Uma vez que o povo precisa urgentemente conhecer as suas histórias locais, a história do Brasil, a literatura brasileira e a poesia pelo menos... Depois disso, o d

Plasticidade na vida e na clínica*

A Filosofia Clínica oportuniza um fluxo existencial mais harmônico a partir da singularidade acolhida, escutada, viabilizada e preservada. Aí se inserem aportes da filosofia que facilitam a colheita da historicidade, detectando como essa subjetividade se posiciona no mundo, como ela é e como ela age. Alicerce do planejamento clínico, que promove ajustes e sustentações rumo a um caminhar mais expressivo e menos tensionado, considerando-se a pluralidade do meio. É no âmbito da reciprocidade da relação que se fala em eu, é no encontro que as questões se colocam. Aí a responsabilidade do contato existencial. Enquanto entidade que partilha a existência de outro ser, a identidade do terapeuta reside em sua posição de observador dentro da situação vivenciada. A plasticidade se mantém por escuta máxima e agendamento mínimo, a fim de melhor captar dados sutis de semiose e processos de significação que abundam ao longo da narrativa. Manuais e protocolos estão para favorecer e não soterrar o

O discurso de cada um*

  Cada um de nós tem um discurso próprio, uma forma de verbalizar o mundo. Às vezes compreensível, estruturado, coerente, mas tantas outras vezes nem tanto assim. Muitos apenas deixam transparecer o que lhes vai à alma; outros se descabelam de tanta expressão. Algumas destas expressões são múltiplas e abrangem olhares, toques, sons, paladares, cheiros e também muitos outros sentidos que não podem sequer ser mencionados, tomando a atenção do outro por inteiro. Inúmeras outras expressões, entretanto, se recolhem e se manifestam somente para poucos escolhidos. Muitos mesclam momentos de recolhimento com outros de euforia, nos lembrando que podemos ser imprevisíveis até mesmo dentro de nossa linearidade. Não há um discurso igual ao outro, como não há necessariamente uma imposição de padrões nos discursos já conhecidos, simplesmente porque estes podem mudar.   Quantas vezes, quando supomos já conhecer nossos partilhantes e fazemos nossos próprios discursos em função desses conheciment

Cama para dois*

Ontem chegando ao hospital assisti uma cena inusitada. Uma garotinha de uns seis anos de idade, sem cabelos devido à quimioterapia, sendo levada na maca hospitalar para o centro cirúrgico. O que me chamou a atenção não foi a menininha na cama, foi a mãe da menina, deitada a seu lado. A criança com roupa de paciente e a mãe com roupa de mãe. Isso não é rotina hospitalar, somente uma pessoa costuma estar deitada na cama, e quem está deitado, deve vestir roupa de hospital. Enquanto a maca circulava pelos corredores, a mãe lia para a filha um livro de histórias infantis. Sabia que aquela atitude não era comum dentro de um hospital e que as pessoas a olhavam com estranheza, no entanto, parecia não se importar, estava focada na filha. Não vou conseguir descrever, não encontro palavras que expressem a grandeza do altruísmo desta mulher, mas tentem imaginar. Os olhos da mãe diziam claramente que ela queria estar no lugar da filha, e faria tudo que estivesse a seu alcance para que a menin

Notas e percepções de leituras*

  “O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”                                                                                Hélio Strassburger                            O trecho citado está na obra “A palavra fora de si” publicada pela editora Multifoco/RJ em 2017, do professor Hélio e especificamente o texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, acolhendo o conteúdo. Durante esses 4 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depo

Pensamento Fronteiriço no Assunto Imediato***

Dona Cida*, o que a trouxe aqui?          “Foi a dor de não ter podido mais cantar o meu samba depois que eu me casei. Essa dor sempre foi muito maior do que as dores dos partos e da perda recente que me tornou viúva e finalmente, feliz! Acho que foi isso que me trouxe aqui, porque como cristã não consigo superar a culpa que me tortura [...] por me sentir aliviada [...] com a morte do meu marido. E já falando sobre o meu querer, nessa altura da vida eu só quero voltar a cantar em paz...” Por favor, fale-me um pouco mais sobre isso…          “Bem, você tem unhas grandes na mão direita modeladas para o violão porque elas têm o formato de palhetas. E por eu saber reconhecer um violonista que o escolhi como meu terapeuta, logo depois da sua palestra lá na Universidade dos Idosos. Nunca me esqueço do que você falou sobre literatura como potencial expressivo da vida pela escrita e pela musicalidade, afirmando como exemplo a grandeza da ‘escrevivência’ da Conceição Evaristo como forma d

Uma metafísica dos refúgios*

  “Deram-me um corpo, só um! Para suportar calado, tantas almas desunidas, que esbarram umas nas outras.”               Murilo Mendes          Um íntimo estranhamento chega à superfície na forma de dizer desencontrado. O gesto inseguro, a voz trêmula, a lágrima bailarina, parecem traduzir a indefinição em curso dentro de si. Em nuanças de antigas vivências, a linguagem faz voltar o que parecia esquecido. Ao descrever invisibilidades seu olhar insinua um caminho às mil mensagens interditas. A contenção física não fora capaz de desarrumar o caos precursor, aliás, amarrar o corpo serviu para liberar a alma. O espanto inicial multiplica os acessos a essa nascente. Através das miragens, franjas e detalhes quase imperceptíveis, se descreve num parágrafo maldito. O movimento especulativo se disfarça de realidade para insinuar segredos. Demonstra-se em trajetos pelos labirintos de si mesmo. Assim uma alma exilada em um corpo refém, transcreve um sonho acordando. As dialéticas do inst

Nadadores*

                                         “nadar se tornara uma espécie de fuga.”                                                                  F. Scott (1929)                                                        O amor é promessa. Perene é a válvula poética, é adentrar às palavras no vagar dos sentidos ao imaginário. Amar as águas que te salvam do tédio é a existência em sua finitude. Flexão do corpo na curvatura dos braços, o movimento cadenciado, pernas no ritmo do esquecimento, a perenidade da vida, um navegar longe.   É o afastar-se das luzes da cidade sumida. O fantasma de um lugar, é ir perder no horizonte dos encontros, do abandono fortuito. A terra firme transparente em beleza, uma mulher deixada no continente. O mar aberto traga os sonhos. A devoção do corpo levado nas escadarias da igreja dos deuses no consolo das águas, os esquecidos que afogam suas mazelas da vida hão se ser esquecidos para toda eternidade.   O esquecimento do ódio, a negação da violência é a f

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