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Mostrando postagens de setembro, 2023

Quase certezas*

Desde que me lembro por gente, tentei fazer as coisas para agradar aos outros, queria que todos gostassem de mim. Cumpria aquilo que a cultura pregava como certo. Naquela época, a maneira digna e decente de se viver incluía obediência, perfeição, honestidade, estudo, trabalho, sucesso. Precisava provar para a família e a sociedade o meu valor, então segui todas as regras ao pé da letra. Nunca perdi o ano na escola, obedeci e respeitei meus pais e professores, fiz faculdade de Medicina, arranjei um emprego, casei no cartório e sinagoga, tive um filho. Sabe aquela propaganda de margarina com a família perfeita? Era mais ou menos assim, só faltou o cachorro correndo pelo jardim. O tempo passou voando, como se minha vida estivesse rodando por uma esteira rolante acelerada. Nem todas minhas escolhas foram minhas. Eu era ator de um roteiro planejado para mim e nem me dava conta. Mesmo assim eu gostava e me sentia bem. Recebia aplausos em todos os palcos. Não sei precisar quando nem com

Revista da Casa da Filosofia Clínica Primavera 2023 - Ed. 06

  Revista da Casa da Filosofia Clínica Primavera 2023 CLIQUE PARA LER A edição de primavera trata-se de um registro histórico das poéticas da singularidade, uma contribuição para entender e transitar pela trama conceitual do novo paradigma, sem perder de vista o viés da crítica. Desejamos boas leituras no aconchego de onde você estiver. CLIQUE PARA LER

Literatura – na Vida e na Clínica*

Relação continuada que sobrevoa ideias complexas e aterrissa em sensações, a nossa e a dos livros. Quem já não capturou ou se deixou capturar pelas emoções, até dos jargões neles contidos. Galeano, no enfrentar silêncios para recuperar o não dito, é danado. Ele nos faz reverberar em outro plano, flexibiliza o fadado. Momento do devaneio poético, diria Bachelard. De tanto concentrar para ordenar imagens - como plantas, necessitam de terra e de céu - o imagético enlaça o simbólico e encontra novos imaginários. Jung, Campbell... O escarcéu. Utopia... Por intermédio dos livros exercitamos maneira nata, em seus mais diversos gêneros, de enxergar a nós mesmos e até manejar circunstância que mata. Distopia... As pessoas no Pessoa acordam outras em nós. Qual a sintonia... Termos agendados no intelecto partejando ideias... Ressignifica e marca autogenia. Navegar Camões nos arrebata. Ora pela tormenta que clama por sonhos. Ora pela calmaria que suspende a vida que a nós se ata. Clari

Qual a função do filósofo? *

Entendo que seja a de tornar acessível, por meio da linguagem, uma ordem das coisas - isto é: revelar uma região ontológica. * * * Boa parte do que fazem os professores universitários de filosofia - e é assim em todo o mundo, mas muito especialmente no Brasil - é, essencialmente, comentário sobre a obra de um filósofo. De fato, o comentarismo filosófico é um exercício muito útil, e mesmo necessário. Contudo, comentar a obra de um filósofo não é filosofar. A filosofia é outra coisa. * * * Afinal, os textos de um filósofo podem dar acesso à filosofia, mas a filosofia não está nesses textos. * * * A filosofia é uma atividade integral do homem. Ela mobiliza o ser inteiro. Não está nos livros dos filósofos. Não está em livro nenhum. Os livros, em si, não são filosóficos: eles são papel e tinta. Quando alguém os lê e entende, acessa uma região anteriormente ignorada da realidade – mas não compreende "a" filosofia. Ela não diz respeito a um conjunto de textos: ela diz re

Um olhar para a singularidade*

  Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (...)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas. Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobr

Linguagem e Singularidade*

  A noção de linguagem que Wittgenstein apresenta nas suas Investigações Filosóficas, cuja concepção é a de que o significado das palavras depende de seu uso na linguagem, em Filosofia Clínica se traduz como um dos princípios dos cuidados de que deve ter o filósofo clínico na sua atividade clínica, nas acolhidas existenciais a que se dispõe, e que, adversamente às técnicas tradicionais da psiquiatria ou das psicologias tradicionais - que não fazem senão hermenêutica sobre o discurso ou expressividade do indivíduo – permitirá guardar o sentido mais original da palavra no contexto discursivo do sujeito, ou seja, respeitando ou limitando-se a entendê-lo a partir e à medida de um sujeito em seu território. Sendo um projeto único, permite-se acessar todo um vocabulário, recheado de significados singulares para cada expressão de sua semiose. Aquilo a que chamou “jogos de linguagem” refere-se, segundo o próprio Wittgenstein, aos vários usos das palavras e ao conjunto das atividades com as q

1.000.000 de visitas em 15 anos de vida*

No dia em que atingimos a incrível marca de mais de 1.000.000 de visitas em nosso blog, a direção, o conselho e professores da Casa da Filosofia Clínica agradecem a companhia indispensável de nossos escritores e escritoras, nossos leitores e leitoras. Nossa proposta em manter um blog e não entrar na lógica tic-toc de a cada semana oferecer um site ou blog novo, não participar dessa correria desenfreada que propõe desinformação e distorção de informações, se traduz em ser um veículo de qualidade aos estudos, pesquisa, partilha de pontos de vista ao novo paradigma da Filosofia Clínica. Seguimos elaborando e qualificando interseções em busca da Filosofia Clínica sonhada nos primeiros anos. Assim, a palavra de hoje é GRATIDÃO ! Direção da Casa da Filosofia Clínica Primavera/2023

Ouvir e compreender***

Encontros e desencontros* Nós somos todos linhas tortas porque nos encontramos. Nós somos quase todo feitos de encontros e de desencontros também; somos um conglomerado de fragmentos de você. Sim, nós somos linhas tortas porque linhas retas jamais se encontram mesmo sendo curvas infinitas. E certamente, escrever certo por linhas tortas parece cada vez mais ser o melhor caminho. Pois muito do que eu sou agora deve-se em grande medida as contribuições dos encontros e dos desencontros que compuseram e impactaram a minha vida tão somente porque a minha vida toda foi feita de histórias repletas de fatos que transcenderam e muito a lógica comum e cotidiana imposta pelos mais superficiais e céticos. A verdade é que quando se toma consciência de tudo que os encontros e os desencontros nos causaram fica difícil não nutrir paz e uma gratidão gigante e crescente por tudo que nos fora doado nessa jornada existencial sempre tão significativa, desafiadora e dignificante. Musa! ____________

Anotações e reflexões em Filosofia Clínica*

Existem duas maneiras de começar a tecer o comentário sobre a obra de Hélio Strassburger: a primeira é descrever um pouco do que é o livro, do que ele trata, quais as referências que alcança para trazer de volta ao texto; a segunda é falar do autor que é sua própria obra, a construção do pensamento pela compreensão do que se pensa.   Isso não é pouca coisa, é a grandiosidade e a humildade de quem se propõe a fazer a reflexão sobre o elo entre a abstração e a construção diária do pensamento com olhar crítico e quase, por que não, terapêutico.   Dedico-me a fazer este breviário do autor, que vive a filosofia clínica como se vivesse se alimentando da arte, da música, das letras, do voo intelectual. E esta obra é contemplada com uma leitura maravilhosamente casada, entre o que se pensa e o que se sente, através das gravuras de Márcia Baroni.   Escutar é tarefa do filósofo clínico, mas Strassburger é um exímio ouvinte de sua vida, de suas viagens filosóficas, dos voos entre imagens e

Acredito em instrução rápida, mas não em educação rápida*

  Entendo a educação como paidéia: como a progressiva formação cultural e espiritual do ser humano. A educação, nesse sentido, é necessariamente lenta. Sem metas ambiciosas, sem etapas claras a ser verificadas por testes e provas. E é também diária: um pouquinho de cada vez, cotidianamente, é que se alimenta uma existência na humanidade. * * * É preciso, por exemplo, educar na beleza: a beleza é um alimento indispensável do espírito. Como Dostoiévski sugere numa passagem de O Idiota, talvez a beleza venha a salvar o mundo - isto é, o próprio ser humano. Mas, como toda a educação, a beleza é experimentada em degraus. Para falar nas artes: na literatura, nas artes plásticas e na música, é preciso subir devagar e constantemente. É preciso aprender a ler a prosa e o verso, a ver a pintura e a escultura, a ouvir e se entregar à música. * * * E como podemos proporcionar essa educação a nós mesmos e aos nossos filhos? Eu não acredito em fórmulas prontas. É preciso descobrir o qu

Os pressupostos*

  A filosofia não nasce como um completo rompimento com a religião, o mito, a arte etc. Desde os primeiros pré-socráticos, por exemplo, indícios dos ensinamentos da religião órfica está presente em algumas noções como a expiação, da qual trata Anaximandro, e alma, como a pensa Heráclito. Por isso, acusar, por exemplo, os filósofos cristãos de pensarem tendo as verdades de sua fé como preâmbulos e, por isso, seus pensamentos não serem filosóficos é inconsistente. Todo filósofo parte de pressupostos próprios de sua existência. Nem Descartes escapa dessa. Seu método é puramente hipotético. Na contemporaneidade, desde a ciência moderna, se buscou usar como critério para a investigação de suas verdades: a razão. Inútil ideia de alcance de uma verdade com neutralidade. Pois, toda produção humana, por mais rigorosa que seja, não é neutra. Mas, nem por isso, as contribuições feita por cada indivíduo à humanidade devem ser desvalorizadas. A filosofia, a arte (poesia, literatura, pintura,

Pretéritos Imperfeitos***

  “A experiência trivial do dia a dia sempre nos confirma alguma antiga profecia (...)”                                             Ralph Waldo Emerson   Existem eventos que possuem um começo sem fim. Perseguem uma in_de_termin_ação futura na travessia pelas antigas pontes. Neles é possível vislumbrar uma sombra suspeita, como algo mais a perturbar a lógica bem ajustada das convicções. Assim a grafia parece se orientar por um ontem a perdurar. Atitude rarefeita de olhares a perseguir buscas contaminadas. Esse contágio parece querer singularizar a pluralidade de cada um. Aprecia a menção de fatos acontecidos no prolongamento do instante. Aparecem como atuação simultânea de um em outro, seu paradoxo dilui-se numa dialética de integração.    Uma de suas características é realçar fatos no momento em que ocorriam. Essa incerteza quanto ao amanhã, parece coincidir com o desfecho provisório de seu inacabamento.   Nessa terra de ninguém uma infindável trama de acontecimentos se refugia

Primeira impressão*

Cresci escutando e quase sempre acreditando no velho chavão da cultura popular “A primeira impressão é a que fica”. Segundo essa premissa, se você vai a um primeiro encontro, arrume-se bem, coloque perfume, seja agradável, interessado na conversa e suas chances de que o outro tenha uma boa impressão aumentarão bastante. Só que não. É muito difícil saber o que vai impressionar o outro e, mais ainda, a primeira impressão, seja lá qual for, apesar de ser importante, nem sempre é confiável e não precisa ser definitiva. O cérebro humano foi programado para analisar em questão de milésimos de segundo se está frente a uma situação de perigo. Quando um desconhecido se aproxima, automaticamente inicia o processo de reconhecimento, chegando a conclusões rápidas com muita pouca informação. Avalia ameaças instantaneamente, levando em conta sentimentos, memórias, experiências, personalidade e necessidades. Isto é o que chamamos de primeira impressão, um recurso adaptativo com a finalidade de pres

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