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Mostrando postagens de julho, 2023

O que é Filosofia Clínica ?*

  A Filosofia Clínica foi criada pelo médico gaúcho, Lucio Packter que, insatisfeito com algumas abordagens terapêuticas, na década de 80, pôs-se a viajar pelo mundo em busca de novos métodos para conhecer e cuidar o ser humano em sua integralidade. Mesmo conhecendo a filosofia de aconselhamento na Europa e a filosofia prática, nos EUA, iniciou suas próprias pesquisas, resultando no que chamou de Filosofia Clínica. A Filosofia Clínica é uma abordagem terapêutica que visa trabalhar as questões existenciais do paciente que, em Filosofia Clínica, é chamado de partilhante, porque na dinâmica da clínica filosófica, o que existe é uma construção partilhada que se dá através da interseção (modo de relação) de ambos na busca por um conforto existencial. É Filosofia porque parte da inspiração de seu método a partir da pesquisa dos filósofos ao longo da história do pensamento ocidental. É clínica porque pretende ser aplicada ao todo do homem, do sujeito que procura a terapia, na intenção de

Notas de Leitura*

“O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”                                                                       Hélio Strassburger                         O trecho citado está na obra “A palavra fora de si” do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, acolhendo o conteúdo. Durante esses 4 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depositam no processo clínico, sei dos meus limites de filósof

Nem todos os quebrantos, toda alquimia e nem todos os santos*

Acontece sim, com frequência, de casais não resistirem. O que não tem juízo, não faz sentido e não se explica. O que se sente e prende, quando em laço os sentidos atendem e, se cuidado, regado e amparado com carinho e respeito, nada, nenhuma mandinga, pai de santo, nada vai desfazer. Nada vai separar um casal que se ama. O pecado é que acontece de muitos casais não resistirem às influências externas. Acontece, tristemente, aos olhos dos que apostavam naquela linda e promissora relação, o fim. Acontece, para decepção e angústia de uma das partes que apostou que deu o seu melhor e que confiou, do outro desistir. De o outro sucumbir ao entorno, muitas vezes egoísta e injusto que julga, condena e cobra momentos, presenças e recursos os quais por preguiça ou pura maldade, faz apenas, exigir, exigir e exigir. Acontece, para decepção de alguém que luta contra tudo e todos para permanecer em um amor, apesar de toda dificuldade, daquele que esperava as coisas melhorarem, perder a paci

Silêncio que acolhe*

  Gostaria de relatar uma ida minha ao Teatro, quando a noite terminou com forte emoção e muitas reflexões. Era uma noite fresca em São Paulo, dia 26 de fevereiro de 2011, o Teatro Tucarena. A peça, Dueto Para Um, uma adaptação de um dos textos mais conhecidos do inglês Tom Kempinski, inclusive virou filme em 1986 dirigido por Andei Konchalorsky e roteirizado pelo próprio Tom Kempinski, no Brasil foi batizado de Sede de Amar tendo a atriz Julie Andrews no papel do personagem Stephanie. Texto bem escrito, diálogos fortes, a história verídica conta a trajetória da renomada violoncelista inglesa Jacqueline Dupré, que no auge da sua carreira profissional, vê-se impedida de exercer sua vocação por adquirir uma doença degenerativa. A violoncelista vivia em Londres, concertista de renome internacional, era um dos gênios da arte interpretativa do séc. XX segundo João Carlos Martins. Casada com o pianista e maestro Daniel Baremboim é por ele incentivada a procurar uma ajuda terapêutica para c

Sábado*

Tenho praticado nas últimas semanas uma experiência sensorial e, por que não dizer, espiritual. Comecei desligando o telefone celular por vinte e quatro horas, pois já estava praticamente viciado no aparelho. Logo ao acordar, antes mesmo de sair da cama, verificava as mensagens recebidas por e-mail e facebook durante a noite. No caminho para o trabalho, enquanto o carro ficava parado no trânsito, conversava via WhatsApp.   Por vezes, até mesmo em movimento, dirigia e conversava ao celular. Algumas multas e muitos pontos na carteira. Puxar o telefone do bolso em meio a um jantar ou festa para registrar o momento e postar na Internet já havia se transformado em rotina. O vício de não conseguir se desligar do celular é conhecido como nomofobia, derivado do termo inglês “no mobile phobia”. No início foi angustiante ficar vinte e quatro horas fora do ar. Ficava aflito se estaria deixando de atender alguma ligação importante, uma mensagem urgente ou ficando por fora de assuntos fundament

A livraria no caminho entre o parque e o café*

"O tempo presente e o tempo passado Estão ambos talvez presentes no tempo futuro E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo o tempo é eternamente presente Todo tempo é irredimível" T.S.Eliot   No caminho entre o restaurante, café, a livraria do sebo, Ex Libris, e do meu trabalho paro quase sempre para olhar a vitrine. Abro a porta e falo com a moça que atende e pergunto: o que tem de interessante ou quanto custa esse aqui? Já comprei muitos livros e o que mais impressiona são as dedicatórias, ou quando as pessoas resolvem sublinhar com lápis e canetas coloridas o mesmo livro. Foi hoje, três cores em um livro. Um senhor livro, um T.S. Eliot, Poesia (Collected Poems). Tradução de Ivan Junqueira, Nova Fronteira, 2 edição, 1981. Livro que já tive, que ganhei um dia de aniversário nos anos 80. Perdi num bar quando estava viajando de férias. Sei lá. Li, reli os poemas depois na casa de uma namorada que me emprestara e tive o trabalho de devolver no final do

Quem pode ser guardiã? ***

   " N ão f açam da Filosofia Clínica uma propaganda mentirosa.”                                       Lúcio Packter   "Chega mais perto e contempla as palavras”, disse Drummond em uma das linhas finais de seu poema Procura da Poesia.   Desse verso, dentre outras possibilidades mais acadêmicas, veio a liberdade e a orientação para o uso e a aproximação da palavra guardiã, neste texto, que foi suscitada por uma imagem emblemática, no final de um filme assistido há muitos anos atrás - cujo nome a memória apagou- e que serviu às reflexões aqui registradas. Guardiã não é sentinela nem vigia. Não tem função punitiva, de controle ou aprisionamento, com caráter coercitivo. Guarda, cuida, protege com atenção constante. Função solitária, por vezes. É um proteger o que está dentro. Quem está dentro pode sair, mas quem está fora para entrar precisa passar pelo aval da guardiã que, nesse sentido, tem um certo poder decisório. Na única lembrança do filme, a cena final,   a guardiã

Apontamentos de um Filósofo Clínico*

Há na vida uma dimensão de inevitável sofrimento. Carregamos na alma um aleijão; existe em nosso peito um vazio que não pode ser preenchido. Tentamos eliminar o impreenchível vazio da existência humana por meio do consumo. Desejamos, por mímese, ter a beleza, a alegria, a joie de vivre estampada nos sorrisos brilhantes dos atores nas propagandas. E consumimos cada vez mais o que esses atores nos vendem, e a nossa angústia a cada dia se aprofunda. Não percebemos que os melhores momentos da vida são justamente aqueles que não podem ser comprados: os instantes em que participamos da vida das pessoas amadas, em que um poema repercute na nossa alma, em que nos arrepiamos com uma passagem de uma música, em que paramos para contemplar o céu estrelado. Esses momentos, raros e fugazes, compensam luminosamente as incontornáveis frustrações, amarguras e impotências da nossa existência. É uma pena que tantos substituam o que há de mais humano na vida humana pela alegria efêmera do consumo de

Comentário ao livro “Poéticas da Singularidade”***

“Nem sabia se era começo ou fim. Poderia ser tudo ou nada.”                                 Hélio Strassburger A impressão durante quase toda a leitura é de estar diante de uma poesia. Não há absolutamente nenhuma indução neste sentido pelo título; é que ela está presente em sua fala, tanto quanto na singularidade. O ritmo é o da poesia que provoca, que não quer esclarecer, mas dar uma chance aos mais epistemológicos de se deliciar. Hélio força o leitor a fazer certo ajuste para entrar no mundo da especulação e acredito que este seja pelo menos uma de suas características. A ausência de pronomes definidos e a sensação de que estamos a todo o momento sendo levados a um caminho de sugestões – como um convite a um passeio pela complexidade das palavras – expressam bem esse sentimento. Não há obviedade na leitura, mas e daí... também não há nenhuma no ser humano (pré-juízos meus!). Ela acontece de uma maneira curiosa, que impele a uma reflexão quase artística. Muitas vezes é possív

Drogas*

  Desde que há registros, há mais ou menos 5.000 anos antes de nossa era, que o ser humano faz uso de drogas em algum momento de sua vida. Quase toda droga nasceu de rituais religiosos ou místicos e era consumida para fins de aumento ou elevação da consciência em algum momento em algum ritual extra da vida cotidiana. Por isso, raro era o consumo “recreativo” e pessoal e, por isso, raro era o problema do vício onde as pessoas perdiam o controle do uso dessas substâncias. Elas estavam circunscritas aos rituais bem definidos, em momentos e lugares também bem definidos. Foi só quando a droga virou “recreativa” e pessoal que o vício e os “problemas” de comportamento começaram a preocupar as outras pessoas. Dionísio e as Bacantes foram um paradigma neste sentido. O uso mais prazeroso dessas substâncias – incluída aí o álcool ou o vinho – foi uma ruptura no uso até então costumeiro delas. A partir daí, em uma grande e inarrável contexto histórico, povos imigrantes que acabavam por criar s

Atento à Singularidade*

  Pode ser incômoda a ideia da singularidade proposta pela filosofia clínica. Mesmo entre filósofos clínicos e estudantes há a possibilidade de uma inclinação para generalizar algum comportamento a ser adotado ou um idealizar um fim a se alcançar para a obtenção do bem-estar subjetivo. Reconhecer cada pessoa como única, requer a aceitação de que para cada uma delas as orientações de vida são irrepetíveis e a fonte onde se encontra os parâmetros é a própria pessoa atendida.   Os filósofos clínicos levam suas vidas com suas verdades, emoções, princípios etc. Porém, quando está diante de um partilhante, seus juízos sobre como viver, seus valores, como vê o mundo etc. devem ficar suspensos. Um processo no qual o terapeuta busca compreender a pessoa a quem atende com um mínimo de mácula de suas próprias verdades. Lembre-se de que não há uma negação de um referencial objetivo. As diferenças provêm da experiência de cada pessoa em relação aos elementos internos e externos. Não há um só mo

CORINGA - Normose nocauteada, estereótipos desconstruídos*

Ontem assisti o Coringa ("Joker", Tood Phillips e Scoot Silver, 2019), presente nas principais telonas mundo afora, primeiro longa de um vilão da DC Comics. Ainda processando, tamanho impacto. O filme cativa como um todo: música, fotografia, roteiro e a estupenda interpretação de Joaquin Phoenix, impressiona! A densidade do personagem, de uma singularidade existencial única, rechaça tipologias e estereótipos do que é normal e aceitável, do que é saúde e doença, do que é certo e errado. Desvela a tênue linha e o potencial estrago de conceitos adotados aprioristicamente como Bem e Mal, Herói e Vilão, Humano e Besta, Real e Ilusório, Potência e Vulnerabilidade, Abjeto e Sublime. O filme demanda olhar atento e libertação dos grilhões de nosso próprio tempo. Freios: o que são, a quem servem, como utilizá-los... Lembrei muito de Giordano Bruno, do combate a ignorância pelo livre exercício do sonhar e filosofar... De Baruch Spinoza, quando vive Deus em tudo e não se restringi

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