Tenho praticado nas últimas
semanas uma experiência sensorial e, por que não dizer, espiritual. Comecei
desligando o telefone celular por vinte e quatro horas, pois já estava
praticamente viciado no aparelho. Logo ao acordar, antes mesmo de sair da cama,
verificava as mensagens recebidas por e-mail e facebook durante a noite.
No caminho para o trabalho,
enquanto o carro ficava parado no trânsito, conversava via WhatsApp. Por vezes, até mesmo em movimento, dirigia e
conversava ao celular. Algumas multas e muitos pontos na carteira. Puxar o
telefone do bolso em meio a um jantar ou festa para registrar o momento e
postar na Internet já havia se transformado em rotina. O vício de não conseguir
se desligar do celular é conhecido como nomofobia, derivado do termo inglês “no
mobile phobia”.
No início foi angustiante ficar
vinte e quatro horas fora do ar. Ficava aflito se estaria deixando de atender
alguma ligação importante, uma mensagem urgente ou ficando por fora de assuntos
fundamentais. Então, ao invés de desligar o aparelho, colocava-o no modo
silencioso e, de vez em quando, conferia as mensagens recebidas. A ansiedade
gerada havia se tornado pior que o suposto benefício de um celular desligado.
Sinal claro de abstinência.
O tempo foi passando e, depois de
algum tempo me enganando, fazendo de conta que me desligava, resolvi me
libertar de vez. Apertei o botão off e guardei o celular em uma gaveta. Para
minha surpresa, descobri que ficar com o celular desligado por 24 horas no
final de semana, não estava acabando comigo, sequer me deixando alienado. Quem
precisasse realmente me encontrar, saberia como fazê-lo, e, se desgraçadamente
o mundo estivesse desabando, de alguma forma também seria afetado. Então
relaxei e passei a gozar os benefícios de me afastar do mundo e ficar comigo.
Depois de desligar celular, facebook,
e-mail e google, foi a vez da televisão, rádio, vídeo game e dvd. Também não foi fácil. Como ficar sem saber
que houve um atentado, um assalto, uma avalanche, um acidente, um estupro, uma
execução em massa, uma fraude, uma desgraça qualquer? Não estava acostumado a
ficar desconectado do mundo agitado e frenético. Dependia de respostas
imediatas, estava viciado em adrenalina e notícias ruins.
Logo tratei de arranjar algo para
fazer. Colocar em dia trabalhos profissionais atrasados, escrever artigos,
arrumar a casa, trocar lâmpadas queimadas, consertar pneu furado do carro. Tudo
para preencher o tempo e fazer com que as 24 horas terminassem o mais rápido
possível. Mais uma vez, havia caído na armadilha da promessa de uma qualidade
de vida que não se realizava. Qual a graça de propor me desligar do mundo por
um dia na semana e ficar contando as horas e arranjando tarefas para o tempo
passar, esperando ansiosamente o dia terminar para voltar a ficar
conectado? Algo não estava funcionando.
O próximo passo foi suspender
todo e qualquer trabalho. Tornar aquele dia diferente dos demais. Sem
compromissos, sem chamadas desagradáveis, sem relógio. De preferência sem
incomodação. Um dia de descanso, de contemplação, de reflexão. Um dia para mim.
Um dia para ficar comigo. Trabalharia seis dias por semana, mas no sétimo,
descansaria. Seria o meu prêmio.
Nitidamente este dia foi se
tornando diferente dos demais, cada semana mais prazeroso, quase um dia perfeito.
Comprava, guardava e reservava o melhor vinho, a melhor comida, a melhor
sobremesa para desfrutar naquele dia, que seria minha ilha no tempo. As
refeições seriam banquetes, o relógio pararia, a família se reuniria. Pouco a
pouco, este dia foi se refinando e se tornando cada vez melhor. Escolhia uma
roupa bonita para vestir, um livro bom para ler, um convidado especial para
compartilhar toda esta comemoração.
Descobri no maremoto que agitava
minha vida, uma ilha segura. Ao cuidar deste dia, indiretamente, estava
cuidando de mim. Deixei de ser náufrago e me tornei conquistador. Em um único
dia, construo uma fortaleza onde consigo aquietar a alma, recuperar a energia
física e espiritual, escutar e observar tudo aquilo que durante a semana não
consigo perceber. Escuto e observo a mim, aos outros, o universo. Converso
comigo, com outros, com Deus. Fico em paz.
E sabe o que mais? Assim que
termina este dia, já começo a pensar, imaginar, planejar e contar as horas para
que o próximo chegue logo. Shabat Shalom – Sábado de Paz.
*Dr. Ildo Meyer
Médico. Escritor. Palestrante.
Mágico. Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa
da Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”.
Porto Alegre/RS
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