Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2023

A matemática simbólica e a singularidade**

  A novidade da filosofia clínica é a afirmação da singularidade. Cada partilhante é critério de si, a partir de sua historicidade, fornecendo parâmetros à realização dos procedimentos clínicos ao terapeuta. Mas, alguns desdobramentos dessa abordagem terapêutica são questionáveis. Refiro-me a questões relativas à matemática simbólica. Para refletirmos, uso a filosofia clínica como o método para melhor explicá-la, corrigi-la e desenvolvê-la. As linhas seguintes demandam concisão. Considero a filosofia clínica capaz de compreender formulações complexas ao analisar suas composições estruturais. No início da “Filosofia Clínica: propedêutica”, Lúcio Packter destinou as primeiras linhas para explicar o contexto histórico que permeou sua vida no período no qual iniciava suas pesquisas para a sistematização daquilo que mais tarde receberia o nome de filosofia clínica. A categoria circunstância descrita pelo autor nos ajuda a suspeitar que como o mundo parece é um tópico determinante em sua

Armadilha Conceitual*

  Existe no meio educacional brasileiro uma espécie de tragédia cultural circular - em que professores incultos formam alunos incultos que tornar-se-ão a próxima geração de professores. Amigos, os professores são a elite intelectual de um país. Os professores são a nossa reserva de cultura: são eles os guardiões e transmissores dos mais altos produtos culturais - tanto da nação, quanto da humanidade. Quando os professores escolares animadamente conversam sobre filmes de super-heróis americanos e de personagens da Disney, ao mesmo tempo em que desconhecem ou ridicularizam a obra de Bergman, Pasolini, Glauber Rocha, Tarkovsky, podemos ter a triste certeza: a nossa civilização está a caminho da mais completa estupidificação - e enviamos os nossos filhos para a escola (a escola pública, a escola particular de grife, não importa) para que os professores os imbecilizem culturalmente. Sim: a escola que temos, com os abissalmente incultos professores que temos, é agente da idiotização da

A História de Cada Um*

  Manter a terapia em dia é uma salvação de si mesmo! Pois quem mantém a terapia em dia, cresce continuamente em autoconhecimento e qualidade de vida. Quem mantém a terapia em dia, inevitavelmente vai se tornando mais empático e solidário pelo menos até espantar-se positivamente com o fato de que mesmo sem querer já se tornou uma pessoa muito mais justa. Quem mantém a terapia em dia pode superar a ilusão de que o mundo deve girar a sua volta e que todas as pessoas que o cercam devem estar sempre prontas para servi-lo independente de reciprocidade ou de respeito mútuo. Quem mantém a terapia em dia, supera egoísmos, uma vez que vai se tornando cada vez menos inconsequente e desonesto consigo mesmo e com os outros. Quem mantém a terapia em dia pode ficar cada vez mais sábio e curiosamente seletivo na medida em que potencializa a própria capacidade de lidar com os desafios da sua jornada existencial. Quem mantém a terapia em dia, vai compreendendo que toda escolha gera uma consequência

Estéticas Possíveis: Sobre Fluxos e Contenções***

Recentemente uma pessoa querida solicitou indicação de um livro sobre Filosofia Clínica que fosse introdutório. Logo falei de “Filosofia Clínica: propedêutica” de Lúcio Packter, porém, em seguida eu disse “Pérolas Imperfeitas - apontamentos sobre as lógicas do improvável” de Hélio Strassburger. No instante em que escrevo, percebo que este último é para mim, introdutório e avançado. Relendo-o esse mês, dez anos após minha primeira leitura, percebo que o método da Filosofia Clínica, talvez, consiga abrir caminhos para o fluir das águas que somos, como já falava Heráclito sobre este tipo de devir. O que percorre vales, abre caminhos formando contornos em busca de melhores lugares onde possa seguir seu curso, deságua em mares. Um tipo de devir onde uma parte das águas, vez ou outra empoça em um leito cômodo enquanto outra parte precisa seguir e como isso tudo faz parte, organicamente, de um sistema que afeta enquanto é afetado. Por isso, talvez, a Filosofia Clínica seja um método contracul

Oh beleza! Onde está a tua verdade ?*

Mulheres anorgásmicas não conseguem desligar suas mentes da imagem do corpo perfeito, capaz de seduzir, conquistar e prender o amor de um homem. Escondida em conceitos de superficialidade, escondida em complexos de inferioridade, escondida em contextos de intelectualidade, escondida em buscas pela espiritualidade, escondida em aparentes estados de autossuficiência, conformidade e integralidade.   A beleza que nunca é enxergada em sua essência, muitas vezes é encontrada na visão de mundo de cada um de acordo com o que é conveniente ou desejável apenas. Padrões e estereótipos são produzidos aos quilos diariamente aprisionando o ser humano, formatando seus níveis de desejo e aniquilando veementemente todo seu potencial de entrega em uma relação à dois que deveria ser vivida de forma saudável e desprendida de conceitos.   Mulheres anorgásmicas por não conseguirem desligar suas mentes da imagem do corpo perfeito e capaz de seduzir, conquistar e prender o amor de um homem. Frígidas em pr

Hermenêutica Compreensiva*

Quando se pensa ou busca trabalhar com hermenêutica podem surgir várias dúvidas sobre o tema. Talvez a distinção mais significativa para a Filosofia Clínica esteja entre uma hermenêutica interpretativa e uma hermenêutica compreensiva. De forma introdutória, a hermenêutica interpretativa (também usada nas abordagens tradicionais da terapia) foca na busca por entender a mensagem com base no que já se sabe sobre o tema. Tem como ponto de partida um saber-poder estabelecido por definições bem construídas, ajustadas e fundamentadas, com base na tradição. Trata-se de um saber cristalizado, que confere ao texto existencial diante de si uma classificação previamente analisada, definida. Características reconhecidas mesmo antes de um encontro se realizar, demonstrando que a expressão do sujeito, de antemão, já está determinada. Em outras palavras, um fundamento estabelecido para reconhecer no  paciente  alguma  patologia , tendo como referência uma lógica de manual, destituindo a pessoa de seu

Amor ou Deliquência?*

  Romperam um namoro de quatro anos, cada um dizendo que não agüentava mais, que o término seria uma libertação para ambos e que a culpa não era de nenhum dos dois. Nada de ofensas, cobranças, reclamações ou lágrimas. Educadamente deram-se um último abraço e reciprocamente desejaram-se boa sorte. Passados dois meses da separação, João resolveu atormentar Maria enviando-lhe uma mensagem, a primeira e única desde o último encontro. “Sonhei contigo esta noite Maria. Estavas te preparando para o primeiro encontro depois que nos separamos. Era com o primo de tua amiga Juliana, ela jurava que vocês combinavam e insistiu na apresentação. Estavas agoniada, não sabias que roupa usar, andavas de um lado para outro. Eu estava sentado no sofá da sala te observando, mas não conseguias me ver. Primeiro experimentastes aquele vestido branco que te dei de aniversário, depois trocastes de roupa mais umas cinco vezes. Calça jeans rasgada, saia verde plissada, blusa azul de crochê feita pela tua mã

Doença?*

Em sentido direto, o conceito de doença não pode ser usado na pedagogia. Um pedagogo ou pedagoga não pode considerar um aluno ou aluna “doente”. Um advogado não usa o conceito de doença em sua linguagem de trabalho para definir seus clientes. Um engenheiro não se dirige a uma estrutura material de uma construção como “doente”. Um economista não pode avaliar um sistema econômico de “doente”. Um filósofo não usa este termo como avaliação moral de um sistema político ou moral. A sociologia não pode usar como se fosse de seu vocabulário técnico a palavra “doente”. Um matemático não avalia uma equação através do conceito de “doença”. Enfim, o termo “doença” é estritamente médico e todos os seus usos fora deste âmbito são metafóricos. Leonidas Hegenberg, em seu livro “Doença: um estudo filosófico”, escreve que medicina designa a ciência e a arte de diagnosticar, tratar, curar e prevenir a doença, aliviando a dor e melhorando ou preservando a saúde; e também, o ramo de tal ciência ou arte

El ángulo de las perplejidades***

Uno de estos días vi una reseña, de esas que sigues pensando en la representación de la que partió. La persona dijo: “ese nombre extraño: Filosofía Clínica, no me suena bien”. A partir de entonces, surgieron algunas notas sobre este lugar donde la gente dice lo que dice, incluso cuando cree saber lo que sabe. El precepto socrático: “Solo sé que no sé nada”, ofrece una pista de aprendiz para vivir con la dialéctica de las originalidades. Tienen una fuente única de rituales y dialectos, inaccesible al contacto superficial. Su expresión suele tener un sentido obtuso, una lectura alejada de su origen. A un punto de vista excepcional le gusta ser inesperado. Le toca al sujeto moverse para ser el protagonista con la amplitud inconmensurable de cada medida; aun así, su aspecto de incomprendido sigue deconstruyendo convicciones. Una descripción de esta naturaleza precursora parece elegir a quién revelar su óptica. Las medallas, las condecoraciones, los títulos no son suficientes para justi

Uma perspectiva prática da recíproca***

A metodologia da Filosofia Clínica contempla elementos que constituem a estrutura de pensamento e os modos de agir de cada pessoa. Alguns elementos, como a inversão e a recíproca, podem estar tanto na espacialidade intelectiva quanto nas ações do indivíduo. Simplificadamente, inversão é o movimento de trazer o outro ao seu próprio mundo, enquanto a recíproca é ir em direção ao outro. No espaço terapêutico, a recíproca pode fazer parte da qualificação da relação terapeuta/partilhante, sendo utilizada pelo terapeuta que escuta, acolhe e, principalmente, se isenta de suas perspectivas do mundo e das relações diante do discurso existencial do partilhante. Assim, considera essencialmente o outro para possibilitar o espaço da construção compartilhada. Em um esboço preliminar, através do discurso existencial do partilhante, a recíproca pode aparecer como tópico importante da estrutura de pensamento. Com a evolução do tempo terapêutico, através do acesso à historicidade, às circunstâncias, à l

Coringa - Normose nocauteada, estereótipos desconstruídos*

Ontem assisti o Coringa ("Joker", Tood Phillips e Scoot Silver, 2019), presente nas principais telonas mundo afora, primeiro longa de um vilão da DC Comics. Ainda processando, tamanho impacto. O filme cativa como um todo: música, fotografia, roteiro e a estupenda interpretação de Joaquin Phoenix, impressiona! A densidade do personagem, de uma singularidade existencial única, rechaça tipologias e estereótipos do que é normal e aceitável, do que é saúde e doença, do que é certo e errado. Desvela a tênue linha e o potencial estrago de conceitos adotados aprioristicamente como Bem e Mal, Herói e Vilão, Humano e Besta, Real e Ilusório, Potência e Vulnerabilidade, Abjeto e Sublime. O filme demanda olhar atento e libertação dos grilhões de nosso próprio tempo. Freios: o que são, a quem servem, como utilizá-los... Lembrei muito de Giordano Bruno, do combate a ignorância pelo livre exercício do sonhar e filosofar... De Baruch Spinoza, quando vive Deus em tudo e não se restringi

Jornada Protagonista*

A palavra é um manifesto da razão e da denúncia, toda vez que as nossas impressões transbordam e expressam numa intensidade de duração e alcance capaz de tocar nas percepções alheias. Na razão podemos justificar a temporalidade, e o quanto, as vezes, percebemos pueril e passageiro os sabores e dissabores da vida, sempre tão pertinentes para nos ensinar que o ser só pode mesmo transgredir ou transcender. E, cabe a cada um de nós, a escolha de ser mais um cativo ou mais um protagonista, nessa jornada tão própria de existir sentindo tanto... Sentir muito é o que faz despertar a possibilidade de perceber mais dia menos dia, que tanto a liberdade quanto a prisão são decisões desafiadoras, que sempre tendem na direção de um desfecho capaz de nos oportunizar sermos senhores das nossas próprias escolhas, enquanto, necessariamente, nos lançamos como reféns das consequências. Curiosamente, quando uma sensação de felicidade precisa ser justificada ou anunciada já se trata de uma ilusão, poi

O Instante Aprendiz***

“Todas as coisas são de tal natureza que, quanto mais abundante é a dose de loucura que encerram, tanto maior é o bem que proporcionam aos mortais”                                                                 Erasmo de Rotterdam   Ao esboçar apontamentos sobre uma lógica da loucura, um viés de absurdidade se desvela em estilhaços de múltiplas faces. Fronteira onde a normalidade se reconhece nos seus paradoxos. Uma das características da expressividade delirante é ensimesmar-se em desacordo com o mundo ao seu redor. Cria dialetos de difícil acesso para proteger suas versões de maior intimidade. O papel da Filosofia Clínica na interseção com a crise imediata também é apresentação indeterminada num processo caracterizado pelo exagero da manifestação Partilhante. Um não saber veicula provisórias verdades no compartilhar desconstrutivo das sessões. Representações existenciais difusas se alternam em narrativas no tempo da pessoa. A linguagem da loucura se constitui em um conjunto

Visitas