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Apontamentos de um Filósofo Clínico*

Há na vida uma dimensão de inevitável sofrimento. Carregamos na alma um aleijão; existe em nosso peito um vazio que não pode ser preenchido.

Tentamos eliminar o impreenchível vazio da existência humana por meio do consumo. Desejamos, por mímese, ter a beleza, a alegria, a joie de vivre estampada nos sorrisos brilhantes dos atores nas propagandas. E consumimos cada vez mais o que esses atores nos vendem, e a nossa angústia a cada dia se aprofunda.

Não percebemos que os melhores momentos da vida são justamente aqueles que não podem ser comprados: os instantes em que participamos da vida das pessoas amadas, em que um poema repercute na nossa alma, em que nos arrepiamos com uma passagem de uma música, em que paramos para contemplar o céu estrelado. Esses momentos, raros e fugazes, compensam luminosamente as incontornáveis frustrações, amarguras e impotências da nossa existência.

É uma pena que tantos substituam o que há de mais humano na vida humana pela alegria efêmera do consumo de remédios (servidos em comprimidos coloridos ou em telas luminosas) e de reluzentes inutilidades: o arrependimento por ter desertado quando se era convocado a viver a tragédia da existência é inútil quando o que resta é a descoberta de que se está morrendo sem haver jamais vivido.

*Prof. Dr. Gustavo Bertoche

Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia. Escritor. Musicista. Filósofo Clínico. Em 2019, or indicação do Conselho e Direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”.

Teresópolis/RJ

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