Cresci escutando e quase sempre acreditando no velho chavão da cultura popular “A primeira impressão é a que fica”. Segundo essa premissa, se você vai a um primeiro encontro, arrume-se bem, coloque perfume, seja agradável, interessado na conversa e suas chances de que o outro tenha uma boa impressão aumentarão bastante. Só que não. É muito difícil saber o que vai impressionar o outro e, mais ainda, a primeira impressão, seja lá qual for, apesar de ser importante, nem sempre é confiável e não precisa ser definitiva.
O cérebro humano foi programado
para analisar em questão de milésimos de segundo se está frente a uma situação
de perigo. Quando um desconhecido se aproxima, automaticamente inicia o
processo de reconhecimento, chegando a conclusões rápidas com muita pouca
informação. Avalia ameaças instantaneamente, levando em conta sentimentos,
memórias, experiências, personalidade e necessidades. Isto é o que chamamos de
primeira impressão, um recurso adaptativo com a finalidade de preservação da
espécie.
Quando conhecemos alguém, duas
perguntas precisam ser respondidas: Posso confiar? Posso respeitar? Em seguida
o cérebro passa a construir imagens sem qualquer justificativa racional ou
cálculo. Essa pessoa não é parecida com outra que nos magoou no passado? Tem um
sorriso tão sincero como o de nosso pai ou tão falso como o de um vizinho? Seu
modo de falar lembra os tempos agradáveis da infância? Pronto, em um piscar de
olhos, a conclusão já esta tomada, e o poder da imagem moldada baseada nestes
sentimentos inconscientes é tão forte, que nem mesmo os fatos posteriores são
capazes de desmenti-las facilmente.
Impressões e imagens podem ser
formadas pelos olhos, ouvidos, nariz, tato, razão ou emoção. Não se sabe o que
vai impressionar o outro. Jeito de vestir, tom de voz, aperto de mão,
fragrância do perfume, conteúdo da conversa, maneira de sentar, tatuagem no
pescoço, sobrepeso, decote...São muitas as variáveis. Pelo sim, pelo não, as
pessoas procuram ter sucesso preenchendo todas as lacunas. Aquela outra expressão
popular “amor à primeira vista”, também se utiliza destas mesmas conexões
aleatórias.
Aí é que mora o perigo. A
primeira impressão é a que possibilita, mas não é a mais fidedigna. Ajuda para
dizer se vamos fugir, lutar ou dar uma chance. Ao ver uma bela imagem, o
cérebro tende a imaginar que suas ações, opiniões e crenças serão tão positivas
quanto sua aparência física. Lobos podem estar escondidos sob a pele de
cordeiro e lagartas podem se transformar em lindas borboletas. A primeira
impressão é a que fica somente para aqueles que são incapazes de ir além.
Quando se trata de
relacionamentos, a última impressão é a que fica, nunca a primeira. Depois de 5
anos de casamento Júlio e Marta decidem se separar. Podem seguir pelo caminho
da briga, vingança, ódio, retaliação, divisão de bens, e ficarão para sempre
com a lembrança do litígio. A primeira impressão, o dia em que se conheceram,
será solenemente apagado da memória.
Por outro lado, podem escolher
terminar a relação agradecidos pela transformação que ambos se proporcionaram.
Não levarão consigo a história ou a primeira impressão, e sim, o produto da
história, saindo do casamento com a sensação de que tudo valeu a pena e quem
sabe, deixando até um pouco de saudade no coração do outro.
Seja como for, a primeira
impressão é muito forte, em muitos casos determinante, mas não é a mais
confiável. A impressão que vale é aquela
que mais se repete. Não importa se é a primeira ou a última, o importante é que
seja a original.
*Dr. Ildo Meyer
Médico. Escritor. Filósofo.
Filósofo Clínico. Mágico. Autor de “Visita de Médico – aproximações entre
Filosofia Clínica e Medicina”, publicado pela Editora Vozes/Petrópolis/RJ,
dentro da coleção de Filosofia Clínica da Editora em parceria com a Casa da
Filosofia Clínica. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa da
Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”.
Porto Alegre/RS
Comentários
Postar um comentário