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Ausências e presenças

Vânia Dantas
Filósofa Clínica
Uberlândia/MG


Por que é preciso tanto tempo e distância pra se encontrar quem fale a nossa língua? Por muito tempo a gente procura o sublime e pensa que vai encontrar. De vez em quando vem a sensação de que esse melhor que se busca não existe, ou não foi reservado a nós, por enquanto. E às vezes uma presença é como um véu de estrelas e precisamos desencantar.

Nos unimos pelos defeitos, também pela maldade, que não somos certinhos, e às vezes nos maltratamos, competimos, querendo nos livrar porque dói muito amor e não poder. E talvez, pisando no outro, ele desista e nos livre da decisão que não tomaremos.

No caminho, vemos florezinhas azuis claras, dessas de vida curta, em plantas de 25 centímetros, entre meio-fio e asfalto. Elas estão ali, como a felicidade pode estar por toda parte, invisível, no som de um soprano, no doce da goiaba, nas contas de madeira da pulseira xamânica.

Fabricamos felicidade, ou melhor, para sair da lógica pós-industrial, a seduzimos, pois como disse Baudrillard, “produzir é materializar pela força o que pertence a outra ordem – a ordem do secreto e da sedução” (1984: 32-3). Assim, retiramos a felicidade da ordem do visível para vive-la. Mas os amigos são os construtores do sentido das coisas, do ambiente, quando, com flores trocadas no ar, fazem festa etílica de uvas rubi.

Ouso dizer, se o diferente nos espanta, o deveras semelhante assusta muito, chega a ser inacreditável. No confronto das estruturas, relacionamo-nos tópico a tópico. Emoção bate com emoção mal resolvida e convida para dançar. Rodopiam em idéias complexas, gargalham com a exuberância dos vice-conceitos quase ininteligíveis, me acompanhe... e trombam com pares de pré-juízos no salão, ora aqui, ora ali. Dão uma parada e tentam retomar o ritmo, mesmo que às vezes arranhem os próprios tornozelos entre si, escorreguem nos tacos encerados do que acham de si mesmas, ou desandem a discordar do passo de como o mundo lhes parece.

Sua axiologia talvez as permita agir e compartilhar, percepcioniar, brincar de atentar os sentidos. Talvez até façam uma dança sobreposta, complementar, exótica e harmônica e cheguem a se fundir, para, depois das paixões dominantes, caírem em suas próprias armadilhas conceituais.

Talvez uma emoção sinta a falta da outra, quando a vir roteirizada num filme de domingo à tarde, após o almoço, embora tenha a certeza de sua amiga ser mais maravilhosa que ele.

E, fatalmente, a km de distância, vai sentir a sua presença no ritmo de uma outra bailarina, que talvez rodopie mais, saltos de garça, sainha de seda sobre tule rosa encorpado, garça anoréxica.

Vai saboreá-la no gosto dos temperos que só uma maga cozinheira sabe usar. Tomilho, manjericão que é orégano, canela com gengibre e aroma de banana ou maçã; e pimentas, dedo-de-moça, cumari amarela ou vermelha, verde-castanha, malagueta sementeira, bode de doer e calabresa, que é a própria.

E vai procurar, por um bom tempo, medido em termos equívocos, sem querer seguir em direção ao singular, por uma outra avezinha de plumas poucas, corpo trabalhado em sofrimento, mínimo, pois basta ser sutil, e músculos às vezes parecem ser só para as esteticidades brutas.

Numa singularidade existencial, a emoção distante reverencia dentro de si os altares sagrados em que Deus habita. Reconhece uma parte dele em cada pluma, planta, ser de movimento e imóvel. Agradece pelos fatos que apontam a necessidade de restabelecer a harmonia. Aceita que sua fala se reverte para si mesma, fala o tempo todo para si, se aconselha e se pune. Age com sensatez e claridade, mostra sua decisão e ouve a análise indireta decorrente dela. Separa o que vale a pena e segue com os seus bens preciosos em frente: seus filhos, seus dons, seu trabalho.

Sente as vibrações e o magnetismo em seu físico suficiente, seus centros de energia renovados e ela viva. Pulsa, esquenta as mãos, ruge – cabelos de fera. Respira a neblina quando desce do ônibus, depois de quilômetros de brancura na estrada. Sorri ao pensar na espera do sol, quando poderá sair e continuar a busca da companheira que, ansiosa, acordara várias vezes na madrugada, todos esses dias, meses, ou anos, e já a espera no Box 18 do Expresso União.

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