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Mozarts e Saliéris*



Existe um tema quase invisível, talvez por seu teor ideológico: o convívio professor- aluno (destaque), ao qual ofereço algumas reflexões.

Numa relação conturbada, muitos mestres, no convívio com seus alunos de maior competência, buscam desmerecê-los. Em uma sucessão de atitudes contraditórias: algumas vezes hostis outras elogiosas, propõe alijar o aluno de algo que lhe pertence.

O crime deste? Ter habilidades e talentos singulares na disciplina do professor, muitas vezes até, ultrapassando os limites dos seus ensinamentos.

A história nos ajuda a recordar o teor clássico do tema. Na premiada peça de teatro Amadeus de Peter Shaffer (1979), inspiradora do filme Amadeus de Milos Forman (1984), ganhador de vários prêmios, se vê retratado um período da vida e a convivência de Antonio Saliéri e Wolfgang Amadeus Mozart.

No filme aparece um Saliéri, compositor italiano, integrante da corte de José II da Áustria como um mestre competente. Professor de gênios como: Beethoven, Hummel, Liszt, Schubert. No entanto, existe ao menos uma coincidência nas versões do teatro e cinema: ambos revelam um professor Saliéri ressentido pela obra de Mozart.

Um homem, ao mesmo tempo invejoso, apreciador de sua genialidade e alegria de viver.

O roteiro faz referência ao Saliéri copista de Mozart, algo que conseguia com escasso sucesso. Mozart parecia despreocupar-se com a triste, sorrateira e decadente figura do mestre, o qual vivia a sua sombra, como um arremedo das obras publicadas ou executadas. Há notícias de que Saliéri teria envenenado Mozart.

Nos dias de hoje o fenômeno se repete em muitas escolas, faculdades, institutos, onde professores, ao constatar o aparecimento de algum virtuose em sua área, tratam sutilmente de sufocá-lo, desviar seus interesses a guisa de orientação, sujeitá-lo aos objetivos da instituição à qual representa ou usar o trabalho do ex-aluno sem qualquer menção as fontes.

Até quando faz algum elogio o professor deixa entrever, a quem tiver olhos para enxergar, sua mágoa a transbordar nas entrelinhas, o sorriso torcido, as palavras escolhidas para colocar o desafeto ao padrão dos seus horizontes. Nesse sentido, a adição de pequenos venenos em meio a uma conversa qualquer ou a humilhação em reuniões particularíssimas, longe dos holofotes e testemunhas tende a funcionar.

Esse antagonismo costuma ter origem numa rotina de interseção mista, onde amor-ódio-inveja se mesclam na figura do mestre. Este, nutrindo sentimentos de menos valia em relação ao extraordinário desenvolvimento do pupilo, passa a tentar enganá-lo, escamotear mágoas e dores em busca de ocultar seu dissabor pela expressividade do outro.

Na contra mão desses apontamentos, ainda se acredita no educador a se realizar em seu papel existencial. No ato de ensinar e compartilhar descobertas, invenções, a transpirar uma arte pedagógica e se completar com o êxito dos seus alunos.

*Hélio Strassburger

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