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Carimbos Existenciais*


Querido leitor, que você esteja bem. 

Na Idade Média, os monarcas tinham como procedimento fixar uma coleira de ferro no pescoço dos reclusos que, assim, sofriam duas vezes: presos no calabouço e presos à coleira de ferro. Mas eis que esta coleira, de tanto roçar no pescoço, criava ferida que, depois, cicatrizava, deixando uma marca, um carimbo existencial.

O grande problema para esses seres humanos era que ao buscar uma nova vida, um renascimento, uma transformação, eram descobertos com a marca escondida embaixo da camisa, do cachecol. Aquela sociedade reduzia essas pessoas aos atos cometidos. O que restava aquela gente a não ser continuar a cometer atos marginais? Embora eles tivessem pago na prisão sua conta para a lei, agora a sociedade os condenava perpetuamente a assumirem o único papel existencial que lhes restara: marginais.

O tempo passou e essa situação mudou nos dias de hoje? Trago, agora, pessoas com outro tipo de carimbos, como aquelas que nascem com algum defeito físico ou não se encaixam a um padrão social. Exemplos não faltam: o Fulano, aquele aleijado; cicrano o baixinho, a gorda, o manco, o feio, o chato, o vadio, o lerdo, o careca, a fofoqueira, o falador, o burro; e aí vamos reduzindo as pessoas, a nosso ver, aos seus “defeitos”.

Citando o livro “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, talvez eu consiga dizer de um outro jeito o meu ponto de vista: o inspetor Javert passa sua existência no encalço de Jean Valjean porque, a seu ver, pau que nasce torto não se regenera. Para ele, Valjean, que foi preso por roubar um pão, praticaria outro crime tão logo saísse da cadeia. Para Javert, Valjean era homem carimbado.

A parábola do filho pródigo é uma bonita metáfora contra o homem marcado. Com a volta do seu irmão mais jovem ao lar, o homem mais velho questiona seu pai: por que dar uma festa ao “vagabundo” de seu filho se o mesmo o abandonou? Por que, então, não dar uma festa pra ele, o mais velho, que permaneceu ao seu lado?

Refletindo sobre estes exemplos, concluo, por ora, que, muitas vezes, nossa sociedade faz como o irmão mais velho fez, enxerga seu irmão apenas como um vagabundo, reduzindo ao seu último ato e, fazendo isso, colocamos um carimbo existencial ao invés de oferecer a outra face como nos ensinou o mestre Jesus Cristo.

Se formos realmente reduzir as pessoas aos seus atos, o que dizer de Pedro, o apóstolo de Jesus?
Lembrando que isso é assim para mim hoje.

*Beto Colombo
Empresário, escritor, filósofo clínico, coordenador da filosofia clínica na UNESC
Criciúma/SC

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