Sempre que ando de
avião e ouço aquela voz melosa dizendo "no caso de despressurização,
máscaras cairão sobre sua cabeça”, penso que o impacto seria maior se o aviso
alertasse exatamente o contrário: “em caso de despressurização, a máscara que
você está usando, cairá”. Todos nós já utilizamos alguma espécie de máscara e
talvez, ao escutar esta frase, nossa atenção se detivesse um pouco mais sobre o
assunto. Já imaginou você, seu vizinho, seu patrão, o prefeito, a dona da loja,
todos de cara limpa? Impossível.
A palavra personalidade
deriva de persona, do etrusco, pessoa, porém, era utilizada para designar as
máscaras que os atores utilizavam para representar seus personagens no teatro.
Desde o primeiro instante em que o homem passou a conviver em sociedade,
precisou aprender a, eventualmente, abrir mão de sua “personalidade” para
representar vários papéis, não significando que se transforme em várias
pessoas, mas simplesmente formas de se mostrar ao mundo.
Precisamos esconder
certos instintos, pensamentos, palavras e atitudes para viver em
sociedade. Representamos eventualmente,
e dispomos de um arsenal de máscaras para sobreviver em casos de emergência.
Não necessariamente artefatos para cobrir o rosto como faziam os atores
etruscos. Máscaras exprimindo posturas
diferentes que facilitem o desempenho dos vários papeis existenciais que nos
são exigidos – pai, filho, amigo, vizinho,
namorado, profissional.
Estas oscilações não
significam que sejamos falsos ou más pessoas, e sim, maneiras de assumir
posturas diferentes adequadas a contextos distintos. Não vejo problema algum nesta alternância
eventual, desde que a essência seja mantida, não ocultem o verdadeiro caráter,
e as intenções sejam nobres, pois cumprem papel importante na vigilância dos costumes
e organização de uma comunidade. Assim como nos aviões, em caso de emergência,
podemos utilizá-las como recurso para nos proteger e beneficiar.
Entretanto, a pior das máscaras, a
que me incomoda e que deveria ser banida, é aquela que o lobo veste pele de
cordeiro. Pessoas que utilizam seu próprio rosto como máscara para transmitir a
impressão de puras, honestas e confiáveis, enquanto acobertam segundas e
terceiras intenções. Falam ou agem de uma maneira, porém estão pensando ou sentindo
o inverso. Fingem amor, disfarçam felicidade, simulam interesse, aparentam
posses, escondem insegurança, sorriem plastificadamente, choram lágrimas de
crocodilo, exibem fachadas. Não mostram nem intenção, nem identidade. Hipocrisia pura. Representação permanente.
A inteligência permitiu
ao homem conhecer muito do mundo a sua volta, no entanto, o mundo interior das
pessoas continua sendo um grande enigma. Este espaço privado é íntimo e
inviolável e só podemos ter acesso a ele, se nossa entrada estiver autorizada e
formos convidados. Ainda assim, na melhor das hipóteses, conheceremos apenas a
sala de entrada deste castelo. Como então saber quando o outro está sendo
sincero ou representando? Como perceber as verdadeiras intenções do outro?
Se tentarmos decifrá-lo
através da nossa razão, de nosso modo de pensar, construiremos uma imagem a
nossa semelhança, o outro se tornará parecido conosco e o perderemos. Além
disto, a compreensão humana recebe influência da vontade e dos afetos, que
colorem e contaminam os entendimentos. Os homens acreditam mais facilmente
naquilo que gostariam que fosse verdade.
O problema agora já não
reside apenas na possível dissimulação do outro. Também somos responsáveis por
nos deixar enganar. Sinto dizer, mas esta é mais uma das tantas incertezas da
vida que precisamos suportar. Não há escapatória.
Mesmo sabendo que
milhões de pessoas enganarão e outras tantas serão enganadas, não vale a pena
gastar tempo e energia tentando decifrar os outros. É preciso ter humildade em
relação à complexidade da vida. Se cada
um souber dar e usufruir a exata importância dos valores humanos, pelo menos
poderemos ser felizes, pois para ser feliz não são necessárias máscaras, para
sobreviver sim.
*Ildo Meyer
Médico, escritor, palestrante, filósofo clínico
Porto Alegre/RS
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