Há muito tempo, desde
que a tarde se ouvia
Com o murmúrio da chuva
nas janelas, eu lia.
O vento lá fora, já o
não escutava:
O meu livro pesava.
Como se fossem rostos,
as folhas sob o meu olhar
Escurecem de tanto
pensamento
E, envolvendo a
leitura, avolumava o tempo.
De súbito desce sobre
as páginas um fulgor,
E em vez de confusas
palavras - um tormento -
Há em todas só...
noite, noite só, a nascer.
Não olho ainda para
fora, mas já as longas
Linhas se desfazem, e
as palavras rolam
Do fio que as liga, vão
para onde querem...
E então eu sei que há
céus sem fim
Sobre o esplendor e a
plenitude dos jardins;
O sol teve de nascer
mais uma vez. -
E agora é verão e noite
o horizonte:
O que andava disperso
em grupos se une,
Poucos, e há gente
pelos caminhos escuros,
E longe, estranhamente,
como se outro sentido
Tivesse, ouve-se o
pouco que ainda acontece.
E ao levantar do livro
o olhar agora,
Nada me é estranho,
tudo tem grandeza.
O que aqui dentro eu
vivo, está lá fora,
E aqui e lá não tem
limite o mundo;
Só eu me teço mais com
tudo isso,
Quando os meus olhos se
ajustam às coisas
E à grave singeleza
dessa gente -
O mundo cresce então,
num golpe de asa.
O céu inteiro o abraça,
é o que se sente:
E a estrela d′ alba é
como a última casa.
*Rainer Maria Rilke
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