“Quem se entrega com entusiasmo ao pensamento racional pode se desinteressar das fumaças e brumas através das quais os irracionalistas tentam colocar suas dúvidas (...).”
Gaston Bachelard
Um enredo malabarista
se insinua em apontamentos de quase lógica. O sonhar das palavras rascunha
vontades, antecipa delirando aquilo desconsiderado pela razão conhecida. Seus
apontamentos de estética maldita dizem mais do que consegue traduzir. Não-ser
acontecendo nalgum ponto entre realidade e ficção.
Essa sensação do
fenômeno ter alguma sobrevida nos termos agendados no intelecto, possui rasgos
de transcendência inevitável. Parece reverenciar o lugar instante onde a
exceção, o acaso, se desdobram num agora continuado.
É possível ao verso
irreal conter mensagens ilegíveis. Sua referência ao texto repleto de
incompletudes parece querer dizer, ao leitor atento, sobre as alternativas de
reescrever-se com sua leitura. Como se fora um esboço a silenciar sobre a
natureza e origens da linguagem. Desvendar a renúncia de se descrever por
inteiro. Registrar aparecimentos, desaparecimentos diante desses vestígios dos
outros.
A folha em branco a
espera do traço, rememora o que se cala nas afirmações. O sujeito assim
descrito refere, no chão de suas vertigens, uma estética dos excessivos
roteiros. Interseção onde temor e tremor transbordam expressividades de
anúncio. Sua errância descreve peripécias ilegíveis ao dado literal, sua
sobrevida acontece nos contornos e margens do mundo conhecível. Ao cogitar uma
ideia insinua a embriaguez de ser nada, se faz entrelinhas na quimera, na
lenda.
O inédito percurso da
ideia ou sensação, antes de ser palavra, transita pela irrealidade das zonas
intermediárias, possui viés de prefácio inacabado, sedução a luz do dia pelas
fantasias da noite. Um texto assim busca sua essência na sobrevida das
desconsiderações. Realiza-se na utopia, ressoa vozes da distância e da
proximidade.
Na provisoriedade dos
relatos, oferece uma redação precária num território a contemplar movimentos de
abertura e fechamento. Nesse sentido, seu discurso revê o mundo ao seu redor,
para, em seguida, ser poética discursiva e reencontrar o cotidiano de onde
partiu. Os jogos de linguagem assim descritos renunciam a percepção
especialista, preferem a ingenuidade do olhar.
Um viés de retórica
maldita pluraliza laços com a realidade da qual se afasta. Para se aproximar com
as evidências dessa matéria-prima, os significantes oferecidos reivindicam um
papel existencial diferenciado. Lembrando de que suas fontes nem sempre se
refugiam no cotidiano.
A palavra mais que
perfeita sugere a multidão de personagens. Sua articulação reflete um
manuscrito de silhuetas, franjas, dobras a descobrir-se nas releituras. Na
frase recomeçada existem novos roteiros. Ao acolher esse desconhecido na
própria voz, sugere algo mais sobre as recusas do verbo definitivo. Eis um
lugar para o indizível ter um nome, quase sempre impróprio, num chão que não
lhe pertence por inteiro.
*Hélio Strassburger
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