Certa vez uma fotógrafa
me ensinou a sorrir. Explicou que para o sorriso ficar bonito, o segredo não
era sorrir com a boca e sim com os olhos. É o brilho do olhar e não o branco
dos dentes que transmite a beleza. Quem conhece um sorriso de verdade, sabe que
nem todo palhaço é feliz. Se você olhar para a câmera e tentar enxergar por
trás das lentes um amor, um sonho ou aquilo que faria você dançar no meio da
rua, seus olhos vão transmitir graça e encanto. Nem é preciso sorrir, o olhar
se encarrega da formosura.
Com a corrida acontece
o mesmo. Não são as pernas que fazem correr, elas apenas nos transportam.
Correr é muito mais que colocar um pé na frente do outro. Para correr é
necessário ânimo, energia, determinação. O corpo é o veículo, mas o combustível
é a paixão. Quando as pernas cansarem, experimente correr com o coração;
provavelmente vai conseguir uma performance melhor, poderá contemplar a
paisagem e até mesmo esquecer que está correndo. Quem treina por gosto não
cansa, ama correr.
Um velho amigo brincava
dizendo que era a cabeça do casal, mas sua esposa era o pescoço, que o fazia
girar para um lado e para o outro. Esta diferença entre intenção e execução
também acontece com a sexualidade. O órgão sexual mais importante de nosso
corpo está localizado entre as orelhas e não no meio das pernas. O desejo
sexual surge em primeiro lugar na mente, e sem a comunicação nervosa, fica
impossível experimentar qualquer sensação, inclusive o orgasmo, que
necessariamente não precisa de estimulo mecânico para ocorrer. O intérprete da
sexualidade são os genitais, o roteiro fica por conta da imaginação, mas o
protagonista final é o afeto.
Também com a religião o
desalinho permanece. Quando se faz uma oração com palavras decoradas repetidas
automaticamente, onde nem se sabe direito o que está sendo dito, a conexão não
acontece e o culto se esvazia. A função de uma prece é a elevação da alma para
se conectar a Deus. Conectar-se é estar ligado, relacionar-se. Envolver-se. Não
é preciso palavra alguma para se vincular a Deus, somente se “deusligar” das
coisas mundanas, deixar a alma livre e a Deus se ligar.
Se o olho não brilhar,
o sorriso entristece. Se não existir paixão, o corpo se arrasta. Se não há
afeto, o sexo vira instinto. Se a alma não conectar, a prece não se eleva. E
com o amor, quem está no comando? Cérebro, coração, corpo, palavras,
sentimento, alma, Deus?
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Palestrante. Filósofo Clínico
Porto Alçegre/RS
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