Gosto de algumas
afirmações heraclitianas, sobretudo a ideia de movimento. Plutarco (46 a 126 d.
C) apontando concepção de Heráclito (535 a 475 a. C.) diz:
“Em rio não se pode
entrar duas vezes no mesmo, segundo Heráclito, nem substância mortal tocar duas
vezes na mesma condição; mas pela intensidade e rapidez da mudança dispersa e
de novo reúne (ou melhor, nem mesmo de novo nem depois, mas ao mesmo tempo) compõe-se
e desiste, aproxima-se e afasta-se” (Plutarco, Coroliano, 18 p. 392 B.).
A proposta de mudança
pensada por esse pré-socrático eu pude vivenciá-la ao longo do que a vida me
concedeu experimentar até agora. Eu mudei, a realidade à minha volta mudou, as
pessoas mudaram. E talvez uma das mudanças mais claras e necessárias que
experimentei foi a aproximação de algumas pessoas e o afastamento de outras.
Aprendi que na medida
em que mudamos, não mudamos o modo de ser das pessoas ao nosso redor, pelo menos
na grande maioria dos casos. O que mudam são as pessoas que nos cercavam.
Mudam-se as crenças, os pontos de vista, o modo de vivência social, a
profissão, os lugares frequentados, e com tais mudanças as pessoas são outras,
os assuntos discutidos são outros, a vida é outra.
Às vezes as mudanças
causam medos e acabamos por nos agarrar ao que já não faz parte do que somos
agora. Prender-se ao que não é de nosso universo ou estado atual impede que o
novo seja bem recebido. O novo exige espaço novo, olhos novos, receptividade de
algo disposto a ser renovado. Afinal, jogar água limpa em recipiente sujo não
muda o ambiente do recipiente qualitativamente. Medo e mudança, nesse caso, são
antagônicos. Mas, podem conviver como opostos heraclitianos numa dialética em
vista de denominador comum ou no vencer de um dos pólos. E que vença o que nos
fizer melhor.
Tudo muda o tempo todo
e mesmo a tentativa de permanecer o mesmo não impede a mudança. Ainda que as
buscas sejam as mesmas, os pontos de chegada determinarão outros pontos a serem
alcançados. Ainda que queiramos lidar com as pessoas como fazíamos antes, tudo
o que nos foi acrescentado ao longo da jornada nos tornou diferentes. O
convívio já muda as coisas. Por mais que quiséssemos conviver com as mesmas
pessoas nos mesmos ambientes, ainda assim essas pessoas adquiririam outros
modos de lidar conosco, e já não seriam as mesmas pessoas e nem seríamos os
mesmos com a ação delas sobre nós.
E o que fica diante
disso? Heráclito dirá: a mudança. Esta pode causar medo às vezes. Por vários
momentos nos deparamos com horizontes obscuros à frente. Não seguir em frente,
ainda que não vislumbremos onde iremos chegar, já é uma escolha, dirá Sartre e
Heidegger. E na visão heraclitiana, a mudança permanecerá acontecendo. Pois diante
da ausência de ação no vislumbre do horizonte, o horizonte e a ausência de ação
mudarão. Decisão já é uma mudança ao mesmo tempo em que o horizonte também
muda, sendo ou não percebido por nós.
Ler esse texto já
mudará alguma coisa no leitor, assim como está mudando meu modo de ver a vida,
mesmo que eu esteja descrevendo uma constatação de minha vida e não me propondo
mudança alguma. Nas primeiras linhas éramos um e agora somos outros: tanto eu
enquanto escrevo quanto você enquanto lê. Percebemos uma mudança senão no
comportamento, pelo menos nas críticas observadas ou nas reflexões suscitadas.
Negar o conteúdo do que foi lido, já constitui uma mudança, pois já terá visto
outro ponto de vista e saberá que todos os parecidos com estes são suscetíveis
de serem negados.
*Prof. Dr. Miguel
Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor.
Livre Pensador. Filósofo Clínico
Teresópolis/RJ
** Pretendo apresentar
a filosofia de Heráclito, bem como questões que ela nos leva a suscitar, mais à
frente. Apenas lancei mão de seu pensamento neste momento para conduzir a
reflexão.
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