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Fragmentos poéticos, literários, críticos*

"O sentido de uma palavra é sempre outra palavra, pois as palavras se parecem mais com outras do que podem parecer com pessoas ou coisas" "Milton antecipa Borges ao dar-nos um Shakespeare que, tornando-se todo mundo, não é ninguém em si mesmo, tão anônimo quanto a natureza" "Os que ensinam interpretação têm mais em comum com os sofistas que com Sócrates" "Obras literárias vitoriosas são ansiedades realizadas, não libertações de ansiedades" "Um antigo teste para o canônico continua sendo ferozmente válido: se não exige releitura, a obra não se qualifica" "A recepção da força estética nos possibilita aprender a falar a nós mesmos e a suportar a nós mesmos" "A crítica estética nos devolve a autonomia da literatura de imaginação e a soberania da alma solitária, o leitor não como uma pessoa na sociedade, mas como o eu profundo, nossa interioridade última" "A resposta, na maioria das vezes, prov

Formado em medicina ou médico ?*

                                                                               Logo depois de minha formatura em medicina, não gostava de atender urgências. O motivo era um só: interrompiam e atrapalhavam meus raros momentos de lazer. Cada vez que era chamado para uma urgência, abnegadamente deixava para trás aquilo que estava desfrutando (filme, parque, praia, festa, namoro, família, estudo, descanso) para cumprir com o famoso juramento de Hipócrates. Sempre soube que ser médico exigiria certa dose de renúncia na vida pessoal, mas isto não era motivo suficiente para aplacar meu descontentamento quando convocado para urgências. Por isso, tentava driblar a insatisfação através de algumas compensações materiais. Quando meu filho era pequeno, e, contra a vontade de ambos, nossa brincadeira era interrompida por algum telefonema, dizia a ele que papai precisava sair para trabalhar, pois alguém havia ficado doente e necessitava minha ajuda. Com isso ganharia algum dinheiro e  lhe

Comentando*

Falando em amém, ninguém comenta sobre isso mas conheço pessoas que tem envolvimento erótico pelo puro,casto e divino, não posso imaginar coisa mais sacana,concebe o sujeito tendo uma ereção por associar a imagem da companheira com a de uma santa?   Bem se existe a santa gula, ela tem muitas caras e dentro de alguma logica , é esta entre muitas, uma forma ou uma "sacanagem" que pode atingir o proposito de fomentar por idealização e manter o desejo mesmo que por vias estranhas,dai não cabe fazermos juízos de valor,  o problema é quando uma das pessoas em questão, incorpora o negocio e fica sujeita e refém ao fantástico e a realidades paralelas,ou seja ela percebe aos poucos, que dela ser rea,l não emana a atração do outro e sim, daquilo que ambos assinam como ideal. Qual o problema? Nem um, até que a pessoa bate no seu consultório, toda machucada ,e de machucados que não são visíveis, nem pra ela mesma, mas intuitivamente a levam a buscar ajuda, afinal entre o que ela é e

O texto e a vida*

Em uma obra de essência inacabada, a pluralidade discursiva, nem sempre coerente e recheada com algum tipo de fundamentação, exibe capítulos de uma subjetividade em vias de acontecer.   Nessa arquitetura de palavras, a versão dos rascunhos se inicia na multidão improvável dos sentidos sem tradução. Por esse não-lugar se alternam pronuncias da voz na palavra escrita. Um apurado senso de irrealidade parece tomar conta da estrutura narrativa. Ao (re)nascer de cada pessoa uma nova obra se inicia. As lógicas da incompletude ampliam as chances para descrever o infindável movimento da vida. Sua eficácia institui novos parágrafos existenciais e se oferece como possibilidade inadiável de reescritas. A autoria, em sua singularidade, esboça um cotidiano de páginas inéditas. A letra parece querer anunciar, desvendar, transgredir cotidianos em roteiros de inconclusão. Uma estranha alquimia ressoa no desajuste das entrelinhas. Como literatura que se esboça aos sons d

Os Projetos*

Sozinho, passeando em um grande parque, ele dizia para si mesmo: “Como ela ficaria bela em seu vestido real, complicado e faustoso, descendo, através da atmosfera de uma bela tarde, os degraus de mármore de um palácio diante de grandes gramados e laguinhos! Porque ela tem, naturalmente, o ar de uma princesa.” Passando, mais tarde, por uma rua, ele parou diante de uma loja de gravuras e encontrando numa pasta uma estampa representando uma paisagem tropical. se disse: “Não! Não é num palácio que eu desejaria possuir sua querida vida. Nós não estaríamos em casa. Porque em suas paredes incrustadas de ouro não haveria lugar para pendurar o seu retrato; naquelas solenes galerias não existiriam recantos para nossa intimidade. Decididamente, é lá que é preciso ficar para cultivar o sonho de minha vida.” E, analisando com os olhos todos os detalhes da gravura, ele continuou, mentalmente: “À beira-mar, uma bela cabana de madeira, cercada por todas essas árvores b

Conexões*

“Somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos" (William Shakespeare) Estamos todos essencialmente conectados... com a vida, a morte e tudo o que compreende o espaço entre estes dois instantes. Os universos multisingulares se misturam e se interpenetram como amantes que se deixam levar por seus desejos sublimes. Não há frente ou verso, em cima ou em baixo, dentro ou fora... há apenas o que foi determinado para o momento, como se tudo pudesse coexistir, espacial e temporalmente. Como se tudo fosse uma coisa só e apenas a percepção do instante fizesse sentido e conferisse significado. Conexões... mas também cogitei dar o nome a este texto de ‘Francisco’. Apenas porque nestes dias em que estivemos imersos na frequência que vibrou pelas ruas, numa colorida babel que determinou um novo ritmo e que conduziu multidões, percebi que houve de fato conexões em andamento. O maestro que conduziu a orquestra, o encantadoramente louco Papa Francisco, demonstrou que conexão é a

Acordei doente mental*

A poderosa American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria – APA) lançou neste final de semana a nova edição do que é conhecido como a “Bíblia da Psiquiatria”: o DSM-5. E, de imediato, virei doente mental. Não estou sozinha. Está cada vez mais difícil não se encaixar em uma ou várias doenças do manual. Se uma pesquisa já mostrou que quase metade dos adultos americanos tiveram pelo menos um transtorno psiquiátrico durante a vida, alguns críticos renomados desta quinta edição do manual têm afirmado que agora o número de pessoas com doenças mentais vai se multiplicar. E assim poderemos chegar a um impasse muito, mas muito fascinante, mas também muito perigoso: a psiquiatria conseguiria a façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O “normal” seria ser “anormal”. A nova edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) exibe mais de 300 patologias, distribuídas por 947 páginas

Metamorfose*

Uma namorada entrou-me em casa fez-me a cama esfregou e encerou o chão da cozinha lavou as paredes aspirou limpou o banheiro esfregou o chão do quarto cortou-me as unhas dos pés e o cabelo. depois tudo no mesmo dia veio o canalizador e consertou as torneiras da cozinha e do banheiro e o homem do gás consertou o esquentador e o homem dos telefones consertou o telefone. agora sento-me no meio de toda esta perfeição. é um sossego. acabei com todas as minhas 3 namoradas. sentia-me melhor quando tudo estava desordenado. precisarei dalguns meses para que tudo volte ao normal: nem consigo encontrar uma barata para conviver. perdi o meu ritmo. não durmo. não como. roubaram-me a minha imundície. *Charles Bukowski

Fragmentos poéticos delirantes*

Onde foi parar a vida? qual o caminho que ela tomou? qual seria o líquido que ela ingeriu? perguntas, e mais perguntas... somos assassinos da vida, pois a matamos com gestos, palavras e lágrimas, e a cela de nossa prisão, vocês bem sabem, é a morte... chega sem marcar hora... somos o impulso, repleto de dor, munidos da identidade da foto que não fala, do endereço que não aponta... onde foi parar a vida, quem sabe dobrou a esquina e encontrou-se... encontrou-se com quem? quem pode a vida ter encontrado? quem sabe uma taça de vinho tinto seco, sim, um Dionísio feito homem em sua poesia filosófica... mas a vida é poesia e filosofia? e as outras coisas? as ciências? não, a vida se perdeu nos diversos lugares que se alojou... nas pedras geladas que sepultou. mas a vida morreu? sepultada foi? claro que não... a vida vive em todos os sentidos, até em uma morte, sim a vida vive em uma ausência de vida... *Eduardo Silveira Fi

É o Fim que Confere o Significado às Palavras*

  Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo.  Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar.  Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram.  Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininte

Resenha crítica*

Pérolas Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável Hélio Strassburger. Ed. Sulina.  Porto Alegre/RS. 2012, 142 p.   Num estilo que dança por entre “a ilusão da realidade e a realidade da ilusão” o professor e filósofo clínico Hélio Strassburger compartilha com seus leitores suas experiências, vivências e desavenças em seu caminhar como filósofo clínico.  Como um passeio pelos recônditos espaços da mente humana o autor nos presenteia com 28 pérolas que ainda imperfeitas na medida em que se constroem na busca pelo direito de serem únicas, singulares e livres das tipologias e semelhanças que mergulham o filósofo clínico num “sobrevoo que não aterrissa”.   O livro nos conduz pelos labirintos da relação entre o filósofo clínico e seu partilhante onde a interseção clinica ganha a forma de sentido para o partilhante a medida que seus ainda não traduzidos e interditados conteúdos ganham vida para o filósofo clínico. O livro vai ao longo do caminh

Entre partir e ficar*

Entre partir e ficar hesita o dia, enamorado de sua transparência. A tarde circular é uma baía: em seu quieto vai e vem se move o mundo. Tudo é visível e tudo é ilusório, tudo está perto e tudo é intocável. Os papéis, o livro, o vaso, o lápis repousam à sombra de seus nomes. Pulsar do tempo que em minha têmpora repete a mesma e insistente sílaba de sangue. A luz faz do muro indiferente Um espectral teatro de reflexos. No centro de um olho me descubro; Não me vê, não me vejo em seu olhar. Dissipa-se o instante. Sem mover-me, eu permaneço e parto: sou uma pausa *Octavio Paz

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