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Postagens

Uma Arte*

Não é tão difícil dominar a arte de perder; tanta coisa parece preenchida pela intenção de ser perdida que sua perda não é nenhum desastre. Perca alguma coisa todo dia. Aceite a novela das chaves perdidas, a hora desperdiçada, aprender a arte de perder não é nada. Exercite-se perdendo mais, mais rápido: lugares, e nomes e... para onde mesmo você ia viajar? Nenhum desastre... Perdi o relógio de minha mãe. E olha, minha última e minha penúltima casas ficaram para trás. Não é difícil dominar a arte de perder. Perdi duas cidades, adoráveis. E, mais ainda, alguns domínios, propriedades, dois rios, um continente. Sinto sua falta, mas não foi um desastre. - Até mesmo perder você (a voz gozada, o gesto que eu amava) eu não posso mentir. É claro que não é tão difícil dominar a arte de perder apesar de parecer (pode Escrever!) desastre. *Elisabeth Bishop

A Banda*

            Estava à toa na vida O meu amor me chamou  Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor A minha gente sofrida Despediu-se da dor Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor O homem sério que contava dinheiro parou O faroleiro que contava vantagem parou A namorada que contava as estrelas parou Pra ver, ouvir e dar passagem A moça triste que vivia calada sorriu A rosa triste que vivia fechada se abriu E a meninada toda se assanhou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou A moça feia debruçou na janela Pensando que a banda tocava pra ela A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu A lua cheia que vivia escondida surgiu Minha cidade toda se enfeitou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor Mas para meu desencanto O que era doce acabou Tudo tomou seu lugar Depois que a banda passou E c

Leitor incomum*

          “(...) Suas palavras chegavam aonde outros não conseguiam.”                                             Virginia Woolf                Um dizer protagonista aprecia surgir na vida do texto. Sua mensagem parece se divertir em passar despercebida a primeira vista. A textura inaudita ressoa poesia, musicalidade, convida ao sonho e a fantasia da vida real. Sua eficácia parece estar associada à multiplicação dos significados, reinvenção dos sentidos, descrição de travessias, num discurso que incita deslizes de autoria própria. Com ele a pluralidade de eventos, personagens se desdobra nas páginas da obra, inicialmente um palco recheado de possibilidades.    O essencial na essência da leitura parece ser a qualidade da interseção entre autor e leitor. As revisitas ao teor discursivo inicial, recheado de nuanças, brechas, incompletudes, dão boas vindas ao estranhamento dos seus originais. Os momentos de magia restariam perdidos não fosse a palavra duração.     Uma d

Lua semente*

Eis uma lua semente uma lua inicial e, com ela, a abertura de um tempo inaugural. As sementes estão aí em muitas mãos e mentes e, com sincera reverência, vêm e nos deixam mais conscientes. Mas mesmo se mentes mentes ainda existirão porém, diante das muitas dúvidas, elas assim resistirão. Portanto, sê pura mente e ore por sua florida, pois nela há variadas chances iguais e também sortidas. Tudo isso para dizer que há semente na mente pois mesmo com o se, há nela ainda mente. E nesta conotação de uma mente iniciada em sua própria compleição esta mesma deve ser regada. Isso para lembrar no presente que as sementes tudo geram e perfazem e nesse ciclo sem fim há momentos que em si nos comprazem. Ó Lua, quase sempre poente, em sua atmosfera tão clara venha nos dar cadência de uma beleza fecunda e rara. *Renata Bastos Filosofa, astróloga, mestre em filosofia, filosofa clínica São Paulo/SP

Ler ou Copiar um Texto*

  O efeito de uma estrada campestre não é o mesmo quando se caminha por ela ou quando a sobrevoamos de avião.  De igual modo, o efeito de um texto não é o mesmo quando ele é lido ou copiado. O passageiro do avião vê apenas como a estrada abre caminho pela paisagem, como ela se desenrola de acordo com o padrão do terreno adjacente.  Somente aquele que percorre a estrada a pé se dá conta dos efeitos que ela produz e de como daquela mesma paisagem, que aos olhos de quem a sobrevoa não passa de um terreno indiferenciado, afloram distâncias, belvederes, clareiras, perspectivas a cada nova curva [...].  Apenas o texto copiado produz esse poderoso efeito na alma daquele que dele se ocupa, ao passo que o mero leitor jamais descobre os novos aspectos do seu ser profundo que são abertos pelo texto como uma estrada talhada na sua floresta interior, sempre a fechar-se atrás de si.  Pois o leitor segue os movimentos de sua mente no vôo livre do devaneio, ao passo que o copiador

Significados*

Queridos leitores, que vocês estejam em paz.  Edmund Husserl, filósofo alemão e fundador da fenomenologia, por intermédio da observação tentou explicar os mitos, os símbolos e os rituais religiosos. Com seus estudos denominados Fenomenologia da Religião, ele conseguiu, em minha opinião, captar, mais do que qualquer outro filósofo, o lado único das experiências religiosas. Husserl procurou compreender as religiões do ponto de vista do crente e, principalmente, o valor dessas crenças na vida dos religiosos. O que mais gosto de Edmund Husserl é que ele conseguiu escrever sem juízo de valor.  Dito isso, vou tentar trazer alguns exemplos dessa fenomenologia religiosa para o nosso cotidiano. Precisamente na montanha do Caravaggio, município de Nova Veneza, onde me criei, há uma bica d’água. Antigamente os agricultores usavam essa água para lavar suas ferramentas e se banhar depois de um dia de trabalho forçado. Anos atrás, uma estrada serpenteou aquele morro e descobriram

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