Pular para o conteúdo principal

Postagens

Nós somos Donos do nosso Corpo?*

Querido leitor, que você esteja bem. A sagrada escritura nos diz que o corpo é a morada do Espírito Santo e, por isso, é sagrado, não pode ser maculado. Para algumas pessoas é isso mesmo: o corpo é sagrado, é o lar da alma. Já para outros, nem tanto.  Drogam-se, não se exercitam, definham a cada dia sem dar uma chance para o dito desejado equilíbrio entre mente, corpo e espírito como pregam alguns sábios. Nunca é demais lembrar que para cada um é de um jeito. De chofre me vem a mente Tita Fernandes, um colega de infância que fazia parte do Catarinense, nosso time de futebol do Rio Maina. Em um jogo ele foi literalmente massacrado no campo, recebendo bordoadas, chutes e até socos. Saiu abraçado com seus opositores dizendo que futebol é isso mesmo. A surpresa, para mim, foi que ele só ficou possesso quando um dos seus colegas colocou o pé no estribo do seu fusca ano 1963, totalmente recuperado, que reluzia ao sol. Causar lesões em seu corpo até vai, mas des

O doido da garrafa *

Ele não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas as outras pessoas do mundo insistiam em dizer que ele era doido. Depois que se apaixonou por uma garrafa de plástico de se carregar na bicicleta e passou a andar sempre com ela pendurada na cintura, virou o Doido da Garrafa. O Doido da Garrafa fazia passarinhos de papel como ninguém, mas era especialista mesmo em construir barquinhos com palitos. Batizava cada barco com um nome de mulher e, enquanto estava trabalhando nele, morria de amores pela dona imaginária do nome. Depois ia esquecendo uma por uma, todas elas, com exceção de Olívia, uma nau antiga que levou dezessete dias para ser construída. Batucava muito bem e vivia inventando, de improviso, músicas especialmente compostas para toda e qualquer finalidade, nos mais variados gêneros. Uai aí aquela da mulher de blusa verde atravessando a rua apressada, e o Doido da Garrafa imediatamente compunha um samba, uma valsa, um rock, um rap, um blues, dependendo

Escritura sub_versão*

  A escritura aparece como um fenômeno incapaz de aprisionamento. Seu estorvo fundamental consiste na contradição ao discurso socialmente bem ajustado. Seu afã de ser um processo criativo recheado de novas imagens, mensagens, desvãos, aprecia desconstruir caminhos de pretensão definitiva. A partir de si mesma saltam novos estilos, idioletos, estéticas no deslize da epistemologia. Seu não-ser reinventa um mundo de possibilidades no esboço estranhamento às novas verdades.   O discurso alienado é ensinado desde cedo nas escolas da infância existencial. A expressividade que anunciaria o sujeito singular costuma ser diagnosticada como distúrbio, contravenção, ilegalidade. Os desvios assim descritos são tratados a golpes de farmácia, propõe reconduzir aquele ao lugar de onde tentou se emancipar. A sub_versão dos códigos reconhecidos aprecia se iniciar na polissemia de um dia qualquer. Seu viés simbólico convida a vislumbrar e refletir sobre as tentativas de mordaça a obr

Reflexões/ Filosofia Clínica*

Sutilmente, no soturno da noite me pego em pensamentos, quando me vem em mente a considerada reflexão de como a Filosofia pode oferecer meios para clarear aos olhos do tal mundo e de como lidar com "problemas" e também a delicadeza de levar indivíduos a caminharem do ócio para o refletir mais acentuado levando-os a viver em direção ao norte ! Na prática da Filosofia Clínica, não poderia ser diferente, pois um olhar carinhoso, um abraço aconchegante, um sorriso como expressão de vontade e prazer, levará um conforto preciso ao partilhante que deixará de sentir o "problema central " e soltará um suspiro conspirador mútuo ... E o momento da busca que era o progressivo bem estar vem a tona, sem análise de sintomas rotulados, mas sim o sentido íntegro do movimento que o levou a procurar ajuda para então dividir seu sofrer. Então, realizar esse propósito enternecedor, suavemente o terapeuta vislumbrará no olhar do partilhante menos desconforto para poder e

Navegar é preciso*

Navegar é preciso e inevitável demais. E sendo assim, talvez possa significar que sempre estaremos nos movimentando, indo e vindo, mesmo que possamos teimar ou temer ao escolher desperceber ao invés de ousar perceber cada vez mais.  E o problema pode não ser essa dinâmica, mas sim, o esquecimento do nosso lugar. Pode ser fato que a morada esteja sempre às margens da orla do nosso vasto agora. E basicamente existimos sempre vivendo e convivendo – navegando – em três continentes incríveis e necessários uns aos outros numa relação triangular de vai e vem.  Um continente se chama Passado e é riquíssimo em nostalgia e possibilidades mil para qualificarmos ainda mais o presente através das nossas memórias sempre em construção no ritmo de uma plasticidade magnífica. Outro continente é o Agora, o único no qual a nossa morada concretamente se encontra presente e pulsante para os fazeres de mãos dadas ou a quatro mãos.  Há ainda, o Futuro, um continente plenamente instável e tod

A levitação de Clarice***

            Um dia Clarice liga dizendo que aceitou dar um depoimento no Museu da Imagem e do Som, mas fazia questão que Marina e eu fôssemos os entrevistadores. Eu a conheci em 1962 quando ela foi a Belo Horizonte lançar A maçã no escuro, na livraria Francisco Alves, e o gerente da livraria o professor Neif Safady convidou-me, eu ainda estudante de Letras, para fazer uma espécie de discurso de apresentação dela.  Lembro-me da primeira visão que tive daquela linda e consistente mulher no hall do Hotel Normandy. Estranhamente, tinha só meia dúzia de pessoas no lançamento. Depois disto fomos jantar num restaurante chinês e me lembro de que Ivan Ângelo estava conosco. E como seguíssemos durante a sobremesa falando de A maçã no escuro o garçom nos interrompeu constrangido explicando que a  maçã estava meio escura, mas não estava estragada.             O convite para aquela entrevista no MIS, que ocorreu um ano antes de sua morte, era um pacto de amizade. Essa relação afetiva j

Dores existenciais*

Vivemos numa época em que as dores são consideradas como ruins, uma dor é algo a ser debelado. Antigamente quando uma criança cortava o dedo, era tratada com Merthiolate e Mercúrio Cromo. Um dos desafios às mães era convencer a criança a se deixar medicar, pois eram medicamentos que causavam dor. Geralmente a mãe dizia: “Fica quieto, se dói, cura”.  Atualmente o medicamento já não causa mais dor, a fórmula foi alterada de maneira que a aplicação seja indolor. Quando não se tinha Merthiolate utilizava-se álcool ou até mesmo a velha e boa cachaça com arnica. Aqueles que passaram por estes tratamentos devem lembrar que era bastante doloroso a aplicação destes medicamentos sobre a ferida.  Era também uma época em que a criança tinha desde cedo uma participação forte na família, em muitos casos com tarefas como alimentar os animais, varrer o pátio, capinar a horta. As dificuldades da família eram partilhadas, não se “tapava o sol com a peneira” para que a criança não sofresse.

A poesia*

Por que tocas meu peito novamente? Chegas silenciosa, secreta, armada, como os guerreiros a uma cidade adormecida; queimas minha língua com teus lábios, polvo, e despertas os furores, os gozos, e esta angústia sem fim que acende o que toca e engendra em cada coisa uma avidez sombria. O mundo cede e se desmorona como metal no fogo. Entre minhas ruínas me levanto, só, desnudo, despojado, sobre a rocha imensa do silêncio, como um solitário combatente contra invisíveis hostes. Verdade abrasadora, para onde me impeles? Não quero tua verdade, tua insensata pergunta. Aonde vai esta luta estéril? Não é o homem criatura capaz de conter-te, avidez que só na sede se sacia, chama que todos os lábios consome, espírito que não vive em forma alguma mas faz arder todas as formas com um secreto fogo indestrutível. Mas insistes, lágrima escarnecida, e alças em mim teu império desolado. Sobes do mais profundo de mim, desde o centro

Visitas