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Transitório*

Em alguns anos de terapia comecei a perceber que algumas pessoas são afligidas por um pequeno problema: a passagem das coisas. Uso a palavra coisas porque tudo o que está ao redor destas pessoas não pára, não permanece exatamente como está, inclusive elas mesmas. Este pequeno problema começa a aparecer quando estas pessoas começam a pensar em sua vida como uma linha do tempo, deixam de olhar a vida como experiências isoladas e passam a perceber o contínuo.  Ao perceber a transitoriedade descobrem que estão sujeitas também às mudanças e em cada caso existem mudanças que assustam mais. Para algumas pessoas o que as assusta é a possibilidade que a passagem do tempo possa levar as pessoas que elas amam, pai, mãe, irmão, marido, filhos, etc. Outras pessoas têm medo de perder sua aparência física , são devotos do próprio corpo, passam horas ao dia cultivando a beleza que temem perder. Um último exemplo são as pessoas que veem na passagem do tempo o problema de te

Os Nossos Eus*

Esses eus de que somos feitos, sobrepostos como pratos empilhados nas mãos de um empregado de mesa, têm outros vínculos, outras simpatias, pequenas constituições e direitos próprios - chamem-lhes o que quiserem (e muitas destas coisas nem sequer têm nome) - de modo que um deles só comparece se chover, outro só numa sala de cortinados verdes, outro se Mrs. Jones não estiver presente, outro ainda se lhe prometer um copo de vinho - e assim por diante; pois cada indivíduo poderá multiplicar, a partir da sua experiência pessoal, os diversos compromissos que os seus diversos eus estabelecerem consigo - e alguns são demasiado absurdos e ridículos para figurarem numa obra impressa. *Virginia Woolf

Escrevendo poesia*

De todo, não: não é difícil escrever poesia – é impossível. De contrário, pensas que teria persistido nisto por mais de 40 anos? Tenta, tenta só pôr asas numa pedra, tenta seguir o rasto de um pássaro no ar. *Hans Borli

A palavra indizível*

Esse texto busca aproximações com o teor discursivo contido em um não dizer. Trata-se de fenômenos refugiados antes da palavra compartilhável. Sua expressividade aprecia surgir na vizinhança do que se possa nomear.     Sua origem marginal reside na própria estrutura onde atua como sombra. Para surgir a luz do dia se utiliza de subterfúgios como: desrazão, delírio, devaneio. As tentativas de tradução, a partir do referencial especialista, costumam desqualificar sua autoria.   A história muito íntima de cada um, nas entrelinhas dos saltos temporais (por exemplo), é possível encontrar vestígios de sua existência. A matéria-prima da palavra indizível costuma se esconder na historicidade mal resolvida, nos apagões, deslizes, contradições. Esse universo pessoal de aspecto indizível é igual ou superior ao vocabulário reconhecido. O estudo dessa imensa região subjetiva pressupõe: - compreender os eventos da esteticidade - acolher os movimentos do silenciar - qualificar a interseção

Dor elegante*

Um homem com uma dor É muito mais elegante Caminha assim de lado Com se chegando atrasado Chegasse mais adiante Carrega o peso da dor Como se portasse medalhas Uma coroa, um milhão de dólares Ou coisa que os valha Ópios, édens, analgésicos Não me toquem nessa dor Ela é tudo o que me sobra Sofrer vai ser a minha última obra *Paulo Leminski

Perplexidades*

a parte mais efêmera de mim é esta consciência de que existo e todo o existir consiste nisto é estranho! e mais estranho ainda me é sabê-lo e saber que esta consciência dura menos que um fio de meu cabelo e mais estranho ainda que sabê-lo é que enquanto dura me é dado o infinito universo constelado de quatrilhões e quatrilhões de estrelas sendo que umas poucas delas posso vê-las fulgindo no presente do passado *Ferreira Gullar

Casa *

Aos poucos construo minha casa. Ela tem um telhado tradicional, grande varanda por toda a volta para driblar o calor excessivo dos dias maiores. Há passarinhos no final da tarde e a calma ali é muito grande; estamos bem e tranquilos. Nessa casa posso receber quem quero com o agrado que tiver: pedacinhos de pão para os gatos, água para as samambaias e os beija-flores. Sem dúvida, ali poderei discutir o que quiser com os colegas; falarei do que faço e planejarei um progresso contínuo deste ser, a partir da única vigilância que existirá: sobre a mente. Esta casa - de tão confortável, simples - está em meio à natureza, coisa que não existe tanto hoje. Atrás de nós há uma montanha bonita, arredondada estamos ao pé dela. Uns quilômetros aqui à frente está o mar. E ficamos um bocado sozinhos da civilização. Não há tecnologia que nos importune nem a necessidade de nos curvarmos a ela, que não nos salvará de nós mesmos. Alguns momen

Um título com medo*

Medo. Medo de escrever e não sair nada. Não rimar condão com fada. Não confrontar a metáfora com a ênclise, atrás da porta que acabei de grafar. Medo do til ter medo de altura, e transformar meu ão em um monossilábico ao, com a redução do o a u, uma semivogal. Medo do i não aceitar o pingo, e ao lado de um zero, formar uma facção de códigos binários. Medo do ar não entrar pelo fonema, e este nunca sair nasal. Medo do texto atonal. Medo da falta de rimas métricas e assimétricas. Medo de sequestro de letras.  Do papel em branco. Medo do silêncio do teclado. Do estado hiperbólico das sentenças. Morrer de medo. Estar aquém de um grande verso. Medo do reverso da poética. A metálica forma do medo. Medo de escrever plástico só por sua acepção. Medo das crases.  Dos acentos circunflexos, por não existirem os circônflacos. Medo dos flancos do dois pontos. Medo do assombro sem exclamação. Medo do não com ponto final. Do mal uso da cedilha. Das filhas da letra ésse quando se unem aos

Pensar como uma montanha*

Querido leitor, que você esteja bem.  Como sabemos, a montanha foi usada por muitas civilizações e continua assim até nossos dias. O filósofo, professor e montanhista Arne Naess, por exemplo, usou o termo "pense como uma montanha", para ressaltar sua crença de que devemos primeiro reconhecer que somos parte da natureza e não separados dela, se queremos evitar uma catástrofe ecológica. Corrobora com o que o ex-reitor da Unipaz, Pierre Weil, sempre defendeu como o grande paradigma de nossos dias, que é o paradigma da fragmentação. O ecologista Aldo Leopold em seu livro cujo título é “Pensar como uma Montanha”, também diz que devemos, inicialmente, pensar como uma montanha, reconhecendo não apenas nossas necessidades ou a dos seres humanos, mas as de todo o mundo natural, de todos os seres vivos.  Ele chegou a essa conclusão trabalhando como guarda florestal no início do século XX, quando atirou numa fêmea de lobo em uma montanha, e disse que alcançaram a ve

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