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Viagem*

"É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens e sentir passar as estrelas do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos. É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas que desejar que apareças, criando com teu simples gesto o sinal de uma eterna esperança. Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar, nem tu. Desenrolei de dentro do tempo a minha canção: não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar." *Cecília Meireles

A palavra reminiscência*

    Em uma recordação se pode reescrever fatos, reviver memórias esquecidas, alterar evidências, efetivar desconstruções, reconstruções, reinventar a própria estória. Sua matéria-prima, ao mesclar-se com a ótica atual, é capaz de apontar novas interseções, propor inéditos achados. Inicialmente por fragmentos sem conexão aparente, esses relatos apreciam multiplicar-se, emancipar periferias, descrever vontades marginais.  Ao rememorar eventos, esses já são outros eventos. As novas ideias, representações, vivências, ainda na perspectiva subjetiva, podem promover modificações de grande alcance no cotidiano de cada um. Esse movimento permite a contemplação das próprias ideias em deslocamento na malha intelectiva, alternância de endereços existenciais.    É comum as antigas referências de lugar, tempo e demais circunstâncias, expressarem, ao olhar atualizado, um território de verdades estranhas, as quais, ao transbordar num aqui_agora, já são outras. Assim, as relembranças, em sua

O Homem que Contempla*

Vejo que as tempestades vêm aí pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos, batem nas minhas janelas assustadas e ouço as distâncias dizerem coisas que não sei suportar sem um amigo, que não posso amar sem uma irmã. E a tempestade rodopia, e transforma tudo, atravessa a floresta e o tempo e tudo parece sem idade: a paisagem, como um verso do saltério, é pujança, ardor, eternidade. Que pequeno é aquilo contra que lutamos, como é imenso, o que contra nós luta; se nos deixássemos, como fazem as coisas, assaltar assim pela grande tempestade, — chegaríamos longe e seríamos anônimos. Triunfamos sobre o que é Pequeno e o próprio êxito torna-nos pequenos. Nem o Eterno nem o Extraordinário serão derrotados por nós. Este é o anjo que aparecia aos lutadores do Antigo Testamento: quando os nervos dos seus adversários na luta ficavam tensos e como metal, sentia-os ele debaixo dos seus dedos como cordas tocando profundas melodi

A(pro)fundando Narciso*

Inclino-me uma vez mais sobre Narciso.  Para tentar entendê-lo. Ou salvá-lo... Narciso puniu-se a si mesmo por ter se olhado no reflexo das águas.  Não parece ser tão simples assim. Parece que Narciso perdeu-se a si mesmo por não ter conseguido mais sair deste movimento fixo. Movimento que saía de si mesmo e retornava sobre si, sem nada lhe acrescentar. Preferiu sua própria imagem, oca e vazia, a si mesmo. Tentou buscar-se onde ele se via, isto é, onde ele não era. Nada mais desviaria seu olhar sobre si mesmo. Acontecia assim: Narciso sorria e a imagem lhe sorria. Chorava e a imagem vertia-lhe uma lágrima. Aproximava-se ou se afastava do espelho das águas e a imagem lhe retribuía com o mesmo movimento de aproximação ou de afastamento. Ensaiava um abraço e sua imagem retribuía-lhe de braços abertos. Porém, Narciso não se sentia abraçado... Narciso tornou-se refém da armadilha de um olhar que nada mais lhe acrescentava. Imagem sem substância, que se

O Poeta é Belo*

O poeta é belo como o Taj-Mahal feito de renda e mármore e serenidade O poeta é belo como o imprevisto perfil de uma árvore ao primeiro relâmpago da tempestade O poeta é belo porque os seus farrapos são do tecido da eternidade *Mario Quintana 

Cogitação Filosófica*

                Umas vezes sinto sono, mas quase nunca sonho. Outras vezes realidade, mas quase sempre engano. Umas vezes aspiro ao mito, outras vezes entendo o fato. Umas vezes rosa, outras machado.                                                                          Rogério de Almeida Nem pense em encontrar, no aqui exposto, a precisão cirúrgica dos deuses doentes da modernidade, que passavam os seus extensos dias ceifando sentidos, separando as línguas clássicas das bárbaras e situando as boas e más palavras. Primeiro, que qualquer tipo de conceito que possa traduzir o desconforto, não serve ao nosso propósito. Não é fácil encontrarmo-nos em um amontoado de conceitos que não se compreende e constatar que, sobre os mesmos, muito pouco se sabe. Inúmeras vezes, nossa desgraça se torna nossa redenção. Não sabemos exatamente, nem como nem por que. A inquietação que mobiliza, também conduz à construção filosófica e a expressão dos martírios que nos consomem, nes

São os rios*

Somos o tempo. Somos a famosa parábola de Heráclito o Obscuro. Somos a água, não o diamante duro, a que se perde, não a que repousa. Somos o rio e somos aquele grego que se olha no rio. Seu semblante muda na água do espelho mutante, no cristal que muda como o fogo. Somos o vão rio prefixado, rumo a seu mar. Pela sombra cercado. Tudo nos disse adeus, tudo nos deixa. A memória não cunha sua moeda. E no entanto há algo que se queda e no entanto há algo que se queixa. *Jorge Luis Borges

Noites, sonhos, fronteiras*

A noite embesta-se no emaranhado de meus cabelos sem vinho sem ninho corre esconde-se em meio as luas cheias e estrelas cadentes assombra as meninas assanha os meninos a noite desvia-se na contra mão e me instiga a deixar os olhos abertos esperar os vampiros passarem até o nascer do sol para me lambuzar de sonhos e me fartar de amores a noite... é noite obediente rebelo-me pois nada mais é além da fronteira do meu eu e teu tu. *Rosangela Rossi Psicoterapeuta, Escritora, Poeta, Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

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