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Postagens

A Biblioteca*

Chegada a noite, volto a casa e entro no meu escritório; e, na porta, dispo a roupa quotidiana, cheia de lama e de lodo, e visto trajes reais e solenes; e, vestido assim decentemente, entro nas antigas cortes dos homens antigos, onde, recebido amavelmente por eles, me alimento da comida que é só minha, e para a qual nasci; onde eu não me envergonho de falar com eles e de perguntar-lhes as razões das suas ações. E eles com a sua bondade respondem-me; e, durante quatro horas, não sinto tédio nenhum, esqueço-me de toda a ansiedade, não temo a pobreza, nem a morte me assusta: transfiro para eles todo o meu ser. *Maquiavel in "Carta a Francesco Vettori"

Eu Vim*

De lá pra cá eu vim Caminhante, errante, pedante. Cansado cheguei, mas não deixei De lutar e correr e espreitar e esperar De lá pra cá vi de tudo: Caminho, erro, pedantismo, Luta, correria, espreita, espera; Outrora, fosse eu mais sábio, Não teria feito o caminho. Mas de lá pra cá aprendi. De lá pra cá busquei entender Qual meu verdadeiro significado. Como ainda não cheguei, Continuo no caminho, errante, pedante, “lutante”, corrente, “espreitante”, “esperante”. Assim como meus neologismos Sou eu no neologismo da minha vida. Não busco mais saber pra estou indo. Se cá cheguei foi porque de lá eu vim. E se tivesse pensado no caminho, Chegaria aonde cheguei? Ou estaria ainda no caminho? Mas posso me outorgar o direito da chegada? Se uma chegada é uma parada e eu continuo vindo de lá pra cá, Será que ainda não cheguei? Por que esse caminho não me leva a lugar algum? Já estou em algum lugar? Quando de lá vim, não fazia ideia Que cá c

Saudade*

Saudade é solidão acompanhada,   é quando o amor ainda não foi embora,   mas o amado já...    Saudade é amar um passado que ainda não passou,  é recusar um presente que nos machuca,  é não ver o futuro que nos convida...   Saudade é sentir que existe o que não existe mais...    Saudade é o inferno dos que perderam,  é a dor dos que ficaram para trás,  é o gosto de morte na boca dos que continuam...    Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:  aquela que nunca amou.    E esse é o maior dos sofrimentos:  não ter por quem sentir saudades,  passar pela vida e não viver.   O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido. *Pablo Neruda

Corpo vivo*

Templo das almas azuis. Ele, terra e tesouros. Acolhe-nos sem nada perguntar Da-nos gozo e prazer continuados. Por que por vezes o negamos? Platão nos fez anjos. Em nome de Deus o abandonamos na Idade Média. Agostinho o aprisionou em culpa. Hoje, o punimos e o flagelamos em nome da saúde perfeita. Onde se escondeu sua harmonia e sua natureza livre? O corpo grita por renascer e percepcionar cada instante desta mãe Terra. Ele clama o toque sensual dos encontros afetivos. Que possamos parar e o respirar profundo. Acordá-lo do sonho alienante. Trazê-lo de volta à sua casa, nu e cru, sem medo de gozar, para alegremente aqui brincar! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Filósofa Clínica, Poetisa, Escritora Juiz de Fora/MG

Poética*

Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare — Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. *Manuel Bandeira

O Estrangeiro*

Não suportamos os que são diferentes de nós porque têm a pele de cor diferente, falam uma língua que não compreendemos, porque comem rãs, macacos, porcos, alho, porque se fazem assim tão diferentes. Na vida, estamos sempre expostos ao trauma da diferença. Algumas vezes na existência, nos deparamos com situações que nos remetem ao olho do furacão, que nos deixam alienados de nossos quereres. Vamos vivendo nossa vida em compasso de espera, numa inércia de sentimentos, à mercê dos acontecimentos, onde o vazio afetivo se torna cotidiano. Habitamos nossa redoma de vidro, sem disposição ou coragem para correr riscos. Essa atitude de inércia desestabiliza nossas defesas, que foram construídas a ferro e fogo. Então, para desafiar nossos paradigmas, surge o estrangeiro, levantando simultaneamente o véu de nossa esperança e de nosso medo. Mas afinal, quem é esse estrangeiro? Consideramos estrangeiro, aquele indivíduo estranho a nós, não familiar, que nos instiga a reações incômo

O voo do pensamento*

“Estimam que se tudo passa, nada existe; e que se a realidade é mobilidade, ela já não é o momento em que a pensamos, ela escapa ao pensamento.” Henri Bergson   A distância entre o pensar e o refletir sobre um objeto é absolutamente necessária para se saber a medida que existe entre o que se pensa e o que se vê. Então, ver e pensar estariam juntos na mesma caminhada desse ato de imaginação? A reflexão que move essa proposta de pensar move as ideias, digo o que se pode olhar e pensar sobre o real, falo, sobre a teoria do que se nomeia como real, o que está no objeto, mas o que penso nem sempre é o que está lá fixo no objeto, mas nem por isso, ver e pensar é a garantia de que algo real existe neste ato de pensar. A imaginação é o momento em que o fenômeno sobre o estado das coisas se torna um pouco mais palpável: o que se imagina é o que está por trás do pensar, a ideia é ir além dos conceitos. Ainda ontem embaralhei as cartas do pensar, o dilema entre ir à fenomenologia para d

A palavra equilibrista*

O papel existencial do Filósofo Clínico, dentre outras características, se apresenta numa busca para vislumbrar, adequadamente, a distinção entre questões de periferia e o constructo_causa, estruturante dos desdobramentos existenciais. Nesse contexto de uma historicidade por vir, diante das imprevisibilidades possíveis, também reivindica-se um equilíbrio a gerenciar situações limite.  Ao deslocar-se pelos conteúdos da interseção, o terapeuta pode ter de elaborar um chão nas alturas. Para atualizar o olhar dos movimentos da subjetividade, pode ser necessário qualificar a leitura da estrutura que vê, encontrar um ponto de apoio às oscilações da crise precursora. Essa dialética acolhe, investiga, traduz diversidades, num espaço onde necessita viver, conviver, sobreviver. Essa noção de uma inspiração singular, pode aparecer numa pluralidade irrealizada. Sua fonte de não-saber, como carência ou necessidade, institui uma conversação sobre as origens.   Com a lógica equilibrista tr

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