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Certas Palavras*

Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Entretanto são palavras simples: definem  partes do corpo, movimentos, actos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos. E tudo é proibido. Então, falamos. *Carlos Drummond de Andrade

A palavra ressonância*

Escrever sobre as repercussões de um encontro clínico, reivindica deslocar-se em estado de redução fenomenológica. Se trata de tentar visualizar eventos em sua matriz de desencadeamento compartilhado, por onde acessos inesperados se descortinam, sugerem uma dialética nem sempre traduzível.     As poéticas da terapia esboçam seus inéditos e os ampliam pela interseção bem sucedida. Esses enredos seriam inimagináveis não fora a alquimia da atuação subjuntiva, a qual, iniciada na hora_sessão, se multiplica no cotidiano por vir. Dos múltiplos aspectos sobre seu alcance, sentido, direção, se destaca a alteração dos pontos de vista. Reinvenção pela aptidão dos procedimentos a se tornar transformação pessoal pela via da introspecção.    A cooperação da categoria tempo é fundamental, nesse momento irrepetível, onde uma chave encontra sua porta. Ao acolher compreensivamente o que ressoa, é possível modificar representações, redescobrir-se em meio ao ir e vir das conexões.     Os m

Não me Peçam Razões...*

Não me peçam razões, que não as tenho, Ou darei quantas queiram: bem sabemos Que razões são palavras, todas nascem Da mansa hipocrisia que aprendemos. Não me peçam razões por que se entenda A força de maré que me enche o peito, Este estar mal no mundo e nesta lei: Não fiz a lei e o mundo não aceito. Não me peçam razões, ou que as desculpe, Deste modo de amar e destruir: Quando a noite é de mais é que amanhece A cor de primavera que há-de vir. José Saramago

Perspectivas de uma racionalidade*

O indivíduo, ao fazer filosofia, necessita criticar as perspectivas de sua racionalidade e não apenas sua ideologia. Urge desconstruir a ingenuidade, pois não são apenas alguns argumentos, prova de verdades irrefutáveis. Existe a necessidade premente de romper com uma cultura onde impere a racionalidade, através de dois princípios capitais: o primeiro, que simboliza serenidade, claridade, medida. O segundo, que representa força impulsiva, afirmação da vida, asseveração da existência e dos impulsos, cotidianamente submetidos ao constrangimento da razão. Percebemos na cultura ocidental, marcada pela repressão dos instintos vitais e indeferimento ao prazer, um entrave em aceitar e compreender o indivíduo em sua totalidade. Aqui podemos citar o Cristianismo, que representou um dos últimos estágios de decomposição da cultura grega e dos impulsos vitais, inerentes e indispensáveis à condição humana sadia. A filosofia de Nietzsche abalizou uma densa ruptura da cultura ocident

Aviso*

Se me quiseres amar, terá de ser agora: depois estarei cansada. Minha vida foi feita de parceria com a morte: pertenço um pouco a cada uma, pra mim sobrou quase nada. Ponho a máscara do dia, um rosto cômodo e simples, e assim garanto a minha sobrevida. Se me quiseres amar, terá de ser hoje: amanhã estarei mudada. Lya Luft

Quando é que a vida começa afinal?*

Tum tum tum - olha que legal! Tenho um coração! Tenho duas pernas, e dois braços também! Nossa, que bacana... mas quando será que a vida começa heim? Deve ser quando eu sair desse lugar apertado e molhado e acolchoado e vermelho aqui que eu moro. Lá fora deve ser tão legal. Olha, uma luz, pronto, finalmente vou começar a viver... unhéeeeee, unhéeee.  Ah, achei que ia começar a viver agora, mas antes eles precisam tirar esse fio preso na minha barriga que me liga à minha mãe. Ih, tiraram, mas tá faltando alguma coisa. Devo começar a viver só depois que minha mamãe me der leite... e carinho... e banho... ah, que nada, já to bem grandinho, a vida deve começar depois que a gente aprende a andar.  Olha, dei meus primeiros passos, acho que finalmente ela começa depois que eu falar... gugu dada. Hum... tá ficando complicado isso. Depois que eu tomar todas minhas vacinas, é isso! Não, não é. Mas tenho certeza que depois que eu ganhar aquela Barbie que todo mundo tem a vida finalme

Momentos possíveis do imaginário*

“O esquecimento do esquecimento não dá oportunidade apenas às encenações realistas, ele é essencial a qualquer metafísica: ao esforçar-se por apresentar a própria coisa, fundamento último, Deus, ser, a metafísica esquece-se de que a presença é ausente. Ter tudo presente é a bulimia do pensamento ocidental.” Jean-François Lyotard A escritura é o fortalecimento e também poder ser o que se esquece durante o passar do tempo. O tempo aqui como conceito diante do que é visto, do que tem diante dos olhos. Tanto faz olharmos por através da vidraça ou mesmo diante de um real supostamente dito, dentro do mesmo espaço, porque o imaginário criado nisso tudo é como o fogo que une o todo. O que estava separado, o que estava distante acaba se unindo nas chamas. A escritura tem um pouco disso, mas se diferencia por sua unidade de ser, por sua fonte longe do imortalizado, é como Lyotard falou de Beckett que fez a “assinatura sofrer”, e ao longe – tudo tem a clareza e distância, dependend

A palavra diante de si*

                "Sonhar é acordar-se para dentro."                                  Mário Quintana A palavra diante de si, ao ser a mesma, já é outra. Uma realidade ofuscada pela proximidade excessiva atesta as irreconhecíveis intimidades. É comum não perceber-se no próprio espelho embaçado. Os movimentos dos quais é refém parece desdobrar vestígios de imensidão.   Na trama dos termos agendados, a contradição entre elogio e crítica, reflete a maquiagem por onde os dicionários tentam defini-la. A imaginação, mesmo aprisionada pelo vocabulário conhecido, deixa-se rastros de algo mais. Sua anterioridade se move em projetos de verdade.  Por essas franjas inconclusas um teor discursivo, ao desviar convicções, emancipa raridades. Nesse momento de possível tradução, aprecia o refúgio em poéticas de não-ser. A incerteza pluralizada nas afirmações, desveste o texto novo, se permite aparecer nas fissuras do próprio fundamento. Os rastros dessa invisibilidade qualificam a

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