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Abraços*

Abrace-me de mansinho Pois abraço tem que ter jeito Suave que pode virar colo Deixe espaços para as asas - Não me aperte muito! Senão vira sufoco - Não me amasse Nem dobre minh'alma. Abrace-me, porém, inteiro - Não me corte em fatias Ninguém abraça um pedaço. Demore-se junto ao meu peito Atravesse meu corpo... e volte Pois preciso ainda deste abraço Amanhã... e depois ,,, e depois... Abrace-me, assim, sem pressa Salva-me um dia e uma noite Salva-me uma vida... Pois te abraço para recuperar Tudo que ainda me falta Fechas assim os olhinhos Para dizer-me que compreendes Que enquanto os corpos se abraçam As almas alegres se enlaçam. Aquele abraço era o lado bom da vida Mas eu também sabia Que para merecê-lo Eu precisava me esquecer E o que é trágico e irônico Para ela viver, eu precisava perdê-lo Tínhamos um problema de territórios Enquanto ela queria abraçar o mundo Eu ficaria contente em abraçar ela. Ainda lhe lev

Sala de pensar*

Aqui em minha sala, entre os livros e a tela, lembro o que Octavio Paz escreveu “amanhece o mundo sem gota de sangue”, penso que esse extrato poético é figuração da imagem, é potencialmente viva, e como ele mesmo diz em outro poema “También la luz em si misma se pierde”. O que me assombra é o que me dá alento para abrir os olhos e encarar o sangue que escorre pelo mundo, como eu via através da vidraça da janela, no passado, a chuva que atrapalhava minha vida. Faço um café, ouço o sibilo das caturritas que povoam meu bairro, ou portas a bater no apartamento ao lado; ao fundo, o violino do vizinho que estuda no mínimo umas quatro horas por dia.  Eu também tenho minhas determinações, acordar ainda na escuridão das manhãs, depois nadar, pensar e esquecer até completar uma hora, submerso, entre um ritmo incessante, leve, cadenciado, penso que é assim que se deve viver. Nuvens carregadas plumbeiam meu olhar, a sala de um azul cinzento, me imagino segurando um violino entre o

Enquanto se espera*

No passado, médicos acreditavam que pacientes, por se encontrarem enfermos, não tinham outros compromissos e prioridades, a não ser esperar pelo atendimento do doutor, que com o consultório sempre abarrotado, lhes socorreria na medida do possível. Do alto de seus tronos, criaram então salas de esperar. Colocaram algumas cadeiras e revistas velhas e julgaram que a resignação dos pacientes seria uma constante eterna.   Os tempos mudaram. Surgiu o telefone, a recepcionista, a secretaria, o computador, o celular, o marketing, a gestão, a concorrência, os planos de saúde, a mídia, a especialização, e a sala de espera precisou se readaptar. Não poderia continuar sendo um amontoado de cadeiras dispostas ao redor de uma sala ou corredor, onde pessoas esperavam até que algo acontecesse.     Fomos programados para ter pressa, nunca nos ensinaram nada sobre a arte de esperar. Nem todas as esperas são iguais, nem todos esperam da mesma maneira e nem todas as esperas são ruins. Até cer

Quais São os Escritores Que Nos Enriquecem ?*

Quais são os escritores que nos enriquecem? Penso que isso é diferente para todos. Penso que lemos muito subjetivamente. Lemos aquilo de que precisamos. Há quase uma força obscura que nos guia para determinado livro numa determinada altura; depois criamos problemas quando tentamos racionalizar isso e dizemos que este escritor é bom e aquele escritor é mau. Nunca fui capaz de dizer isso.  Compreende, não posso dizer que Simone de Beauvoir seja má escritora, mas posso dizer que não me enriquece. O que é uma afirmação totalmente diferente. E penso que isso varia muito. Elaborei uma lista de escritoras e dos seus livros que me enriqueceram. Mas não é uma seleção literária. É uma seleção puramente subjectiva e a sua podia ser totalmente diferente. Perguntam-me muitas vezes o que penso acerca de Simone de Beauvoir, o que penso acerca de The Golden Notebook, e é-me sempre difícil responder. Não os considero livros enriquecedores, porque me repetem incessantemente como as coisas e

Categoria Tempo*

Não te iluda, isto não é um texto. São tão somente anotações Devaneios, divagações Sobre o tempo interno Aquele que cada um tem o seu Mas o tempo depende do momento Aquele que cada um tem o seu Momento e tempo tomam uma só forma Aquela que cada um tem a sua Mas o tempo depende também da forma E a forma depende dos sentidos Os seis, além dos cinco Tempo momento formam um sentido! Quero que o tempo demore quando vejo beleza Quero que o tempo pare quando estou na natureza O tempo e o momento do brilho no olhar A forma que os sentidos te esclarecem O exato momento da plenitude Acorde da guitarra espanhola Acordando todos teus sentidos… Este é o tempo que quero só meu Momento que de forma alguma divido! Divido com quem tem o mesmo tempo Divido com quem tem a mesma forma De sentir todos os sentidos ao meu tempo Hoje resolvi brincar com as palavras Porque preciso que o tempo se apresse Que o tempo encontre alguma forma De apress

Ser Poeta*

Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda gente! *Florbela Espanca

Reflexões, apontamentos, poéticas*

Quando julgamos o outro a partir das nossas próprias fragilidades, nos afastamos muito de quem a pessoa é realmente e passamos a crer em mais um preconceito. Pode surgir desse fenômeno hábitos traduzidos em sofisticadas formas de mentir para nós mesmos e quanto mais mentiras construímos e acumulamos mais nos enganamos, nos iludimos e adiamos ou anulamos conquistas capazes de nos tornar realmente felizes. É mais fácil perceber e se encantar com a estética das formas ou da retórica do que captar as verdades, a essência dos conteúdos, das intimidades das coisas e da vida. Porventura, esse talvez seja o grande desafio e desafeto da linguagem, da poética e de toda a arte. O poeta e todo artista pode até dominar a estética, mas no fundo, visa mesmo é tocar a essência da sua arte na essência do outro, na essência da vida. É surpreendente como em tempos de cólera se torna cada vez mais difícil captar as verdades presentes nas essências dos discursos e dos gestos até mesmo por quem já nasc

Apontamentos de Estética Helênica II*

Toda arte é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer coisa. Há duas formas de dizer – falar e estar calado. As artes que não são a literatura são as projeções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é a literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama. (...) A palavra é, numa só unidade, três coisas distintas – o sentido que tem, os sentidos que evoca, e o ritmo que envolve esse sentido e estes sentidos. (...) É por isto que o mais claro dostextos começa, quando é aprofundado ou meditado por este ou aquele, a abrir-se em divergência de íntimo sentido de um para outro; é que, havendo acordo, em geral, quanto ao sentido direto ou primário da palavra, começa a o não haver quanto aos sentidos indiretos ou secundários. (...) A arte que vive primordialmente do sentido direto da palavra chamar-se-á propriamente prosa, sem mais nada; a que vive primordialmente dos sentidos indiretos da palavra – do

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