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A Essência da Poesia*

Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso alguns sucessos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio. Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma ação passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a ação, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o homem e a sua sombr

Vida de Cão*

Como vai amigo Tião? Estou escrevendo pra te contar as coisas estranhas que estão acontecendo nas minhas férias aqui na praia de Jurerê Internacional. Já ouvistes falar? É um lugar fantástico, nunca vi nada igual. Praia de gente rica e famosa. Mar azul, calmo, água quente, areia fininha, lanchas, iates, vendedores ambulantes, comida e bebida à vontade. Mas não pude aproveitar nada disto, nem vais acreditar. Logo que chegamos no prédio onde iríamos veranear, bem em frente à praia, já estranhei. Parecia uma vitrine de loja. Todo envidraçado, com mármores, espelhos e lustres de cristal enormes. Quase fiquei cego de tanta luz e mal conseguia caminhar naquele piso escorregadio. De repente, apareceu um homem vestido de terno preto e gravata, me pegou no colo e me carregou até nosso apartamento. Nunca ninguém havia feito isto comigo, e por pouco não o mordi de tão assustado que fiquei. Depois me explicaram que não permitem animais circulando nas áreas comuns do prédio. Dizem

É Preciso Repensar a Nossa Vida*

É preciso repensar a nossa vida. Repensar a cafeteira do café, de que nos servimos de manhã, e repensar uma grande parte do nosso lugar no universo. Talvez isso tenha a ver com a posição do escritor, que é uma posição universal, no lugar de Deus, acima da condição humana, a nomear as coisas para que elas existam.  Para que elas possam existir… Isto tem a ver com o poeta, sobretudo, que é um demiurgo. Ou tem esse lado. Numa forma simples, essa maneira de redimensionar o mundo passa por um aspecto muito profundo, que não tem nada a ver com aquilo que existe à flor da pele. Tem a ver com uma experiência radical do mundo. Por exemplo, com aquela que eu faço de vez em quando, que é passar três dias como se fosse cego. Por mais atento que se seja, há sempre coisas que nos escapam e que só podemos conhecer de outra maneira, através dos outros sentidos, que estão menos treinados…  Reconhecer a casa através de outros sentidos, como o tacto, por exemplo. Isso é outra dimensão, d

Trânsito Carioca*

Parado, estocado, findado, amarrado Alguns poucos passos à frente Nada de muito significativo Nos encontramos numa carruagem Onde os cavalos nos levam a algum lugar Do qual não sabemos nada Mas esse não-devir incomoda a todos. Inocente, postergado e puto Nessa onda louca, baixa e sem efeito sobre o mar Continuamos caminhando. A passos de tartaruga, seguimos adiante Mas o adiante continua distante. A música que toca não nos toca. Não nos enxergamos sendo parte, Mas o mar nos leva em alguma direção. Quando chegaremos lá? Depende de quando sairemos daqui. Apressados e estressados encontram outros Que não ligam para o derredor. O derredor é ignorado, Pois vivemos nossas vidas. Quando finalmente caminhamos como coelhos, Nos vemos parados novamente. Detidos por alguma forma natural Que nos empurra para a parada O não-devir nos faz continuar na nossa condição primordial: parados. Pareados com o não-movimento Vamos nos abastecendo de p

O Conflito entre o Conhecimento e a Fé*

Durante o último século, e parte do século anterior, era largamente aceite a existência de um conflito irreconciliável entre o conhecimento e a fé. Entre as mentes mais avançadas prevaleceu a opinião de que estava na altura de a fé ser substituída gradualmente pelo conhecimento; a fé que não assentasse no conhecimento era superstição e como tal deveria ser reprimida (...) O ponto fraco desta concepção é, contudo, o de que aquelas convicções que são necessárias e determinantes para a nossa conduta e julgamentos não se encontram unicamente ao longo deste sólido percurso científico. Porque o método científico apenas pode ensinar-nos como os factos se relacionam, e são condicionados, uns com os outros.  A aspiração a semelhante conhecimento objectivo pertence ao que de mais elevado o homem é capaz, e ninguém suspeitará certamente de que desejo minimizar os resultados e os esforços heroicos do homem nesta esfera. Porém, é igualmente claro que o conhecimento do que é não abre di

Se...*

Se não houverem braços acolhedores E longos o suficiente Negue-me o seu abraço.... por favor. Se o olhar não abrir janelinhas Para algum paraíso Desvie seus olhos dos meus.... por favor. Se a alma não tiver Um pequeno cantinho para mim Não me acene com acolhimento E algum colo para o descanso... É que eu ando de mãos dadas com a ilusão. *José Mayer Filósofo, Livreiro, Poeta, Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

A embriaguez do artista*

Para que haja arte, para que haja alguma ação e contemplação estéticas, torna-se indispensável uma condição fisiológica prévia: a embriaguez. A embriaguez tem de intensificar primeiro a excitabilidade da máquina inteira: antes disto não acontece arte alguma. Todos os tipos de embriaguez, por muito diferentes que sejam os seus condicionamentos, têm a força de conseguir isto: sobretudo a embriaguez da excitação sexual, que é a forma mais antiga e originária de embriaguez. Também a embriaguez que se segue a todos os grandes apetites, a todos os afetos fortes; a embriaguez da festa, da rivalidade, do feito temerário, da vitória, de todo o movimento extremo; a embriaguez da crueldade; a embriaguez da destruição; a embriaguez resultante de certos influxos meteorológicos, por exemplo: a embriaguez primaveril; ou a devida ao influxo dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade sobrecarregada e dilatada. O essencial na embriaguez é o sentimento

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