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Talento não é Sabedoria*

Deixa-me dizer-te francamente o juízo que eu formo do homem transcendente em gênio, em estro, em fogo, em originalidade, finalmente em tudo isso que se inveja, que se ama, e que se detesta, muitas vezes. O homem de talento é sempre um mau homem. Alguns conheço eu que o mundo proclama virtuosos e sábios. Deixá-los proclamar.  O talento não é sabedoria. Sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobra a ciência. O talento é a vibração convulsiva de espírito, a originalidade inventiva e rebelde à autoridade, a viagem extática pelas regiões incógnitas da ideia. Agostinho, Fénelon, Madame de Staël e Bentham são sabedorias. Lutero, Ninon de Lenclos, Voltaire e Byron são talentos. Compara as vicissitudes dessas duas mulheres e os serviços prestados à humanidade por esses homens, e terás encontrado o antagonismo social em que lutam o talento com a sabedoria. Porque é mau o homem de talento ? Essa bela flor porque tem no seio um espinho envenenado ? Essa esplêndida taça de brilh

Canção da saudade*

Canta a canção das horas que não vejo Das veias que dilatam Dos urros que esbravejo Segue o contorno desses dias ancorados A um presente que resiste Por força do passado. Canta a canção das horas que eram tuas Alegria do som da tua voz – a minha cura Ainda ronda os sentidos, ainda te procura. Horas debruçada nos limites do teu rosto, E plena de teu mundo, de teu gosto, Retinha teu carinho em desmesura. Canta a canção e acorda a que tão bem conheces Que sonha, que sabe de delírios E algumas alegrias porque não te esquece; Acotovelada à janela da eternidade Anda mouca para os sons que antes ouvia Enquanto teu cantar não acontece. *Sônia C. Prazeres Filósofa, Poeta, Filósofa Clínica São Paulo/SP

Qualquer Tempo*

Qualquer tempo é tempo. A hora mesma da morte é hora de nascer. Nenhum tempo é tempo bastante para a ciência de ver, rever. Tempo, contratempo anulam-se, mas o sonho resta, de viver. *Carlos Drummond de Andrade

Mulher sertão*

Venho da educação sertaneja do outro século, quase XIX, das casas de farinha de mandioca e polvilho torcido à mão. Dos mutirões de pamonha, da fiação de algodão, dobando meada. Capina roçado, levanta casa de placa de concreto e pintura de caiação. A mulher recato passou pela mulher hippie, virou mulher livre, hoje, mulher política, mas sempre mulher trabalho. Não me dou com essas manipulações que juntam sorriso e mal. Minha sinceridade é dura; esse é o preço da verdade. *Vânia Dantas Filósofa Clínica Brasília/DF

A Essência da Poesia*

Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso alguns sucessos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio. Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma ação passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a ação, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o homem e a sua sombr

Vida de Cão*

Como vai amigo Tião? Estou escrevendo pra te contar as coisas estranhas que estão acontecendo nas minhas férias aqui na praia de Jurerê Internacional. Já ouvistes falar? É um lugar fantástico, nunca vi nada igual. Praia de gente rica e famosa. Mar azul, calmo, água quente, areia fininha, lanchas, iates, vendedores ambulantes, comida e bebida à vontade. Mas não pude aproveitar nada disto, nem vais acreditar. Logo que chegamos no prédio onde iríamos veranear, bem em frente à praia, já estranhei. Parecia uma vitrine de loja. Todo envidraçado, com mármores, espelhos e lustres de cristal enormes. Quase fiquei cego de tanta luz e mal conseguia caminhar naquele piso escorregadio. De repente, apareceu um homem vestido de terno preto e gravata, me pegou no colo e me carregou até nosso apartamento. Nunca ninguém havia feito isto comigo, e por pouco não o mordi de tão assustado que fiquei. Depois me explicaram que não permitem animais circulando nas áreas comuns do prédio. Dizem

É Preciso Repensar a Nossa Vida*

É preciso repensar a nossa vida. Repensar a cafeteira do café, de que nos servimos de manhã, e repensar uma grande parte do nosso lugar no universo. Talvez isso tenha a ver com a posição do escritor, que é uma posição universal, no lugar de Deus, acima da condição humana, a nomear as coisas para que elas existam.  Para que elas possam existir… Isto tem a ver com o poeta, sobretudo, que é um demiurgo. Ou tem esse lado. Numa forma simples, essa maneira de redimensionar o mundo passa por um aspecto muito profundo, que não tem nada a ver com aquilo que existe à flor da pele. Tem a ver com uma experiência radical do mundo. Por exemplo, com aquela que eu faço de vez em quando, que é passar três dias como se fosse cego. Por mais atento que se seja, há sempre coisas que nos escapam e que só podemos conhecer de outra maneira, através dos outros sentidos, que estão menos treinados…  Reconhecer a casa através de outros sentidos, como o tacto, por exemplo. Isso é outra dimensão, d

Trânsito Carioca*

Parado, estocado, findado, amarrado Alguns poucos passos à frente Nada de muito significativo Nos encontramos numa carruagem Onde os cavalos nos levam a algum lugar Do qual não sabemos nada Mas esse não-devir incomoda a todos. Inocente, postergado e puto Nessa onda louca, baixa e sem efeito sobre o mar Continuamos caminhando. A passos de tartaruga, seguimos adiante Mas o adiante continua distante. A música que toca não nos toca. Não nos enxergamos sendo parte, Mas o mar nos leva em alguma direção. Quando chegaremos lá? Depende de quando sairemos daqui. Apressados e estressados encontram outros Que não ligam para o derredor. O derredor é ignorado, Pois vivemos nossas vidas. Quando finalmente caminhamos como coelhos, Nos vemos parados novamente. Detidos por alguma forma natural Que nos empurra para a parada O não-devir nos faz continuar na nossa condição primordial: parados. Pareados com o não-movimento Vamos nos abastecendo de p

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