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Não-coisa*

O que o poeta quer dizer no discurso não cabe e se o diz é pra saber o que ainda não sabe. Uma fruta uma flor um odor que relume... Como dizer o sabor, seu clarão seu perfume? Como enfim traduzir na lógica do ouvido o que na coisa é coisa e que não tem sentido? A linguagem dispõe de conceitos, de nomes mas o gosto da fruta só o sabes se a comes só o sabes no corpo o sabor que assimilas e que na boca é festa de saliva e papilas invadindo-te inteiro tal do mar o marulho e que a fala submerge e reduz a um barulho, um tumulto de vozes de gozos, de espasmos, vertiginoso e pleno como são os orgasmos No entanto, o poeta desafia o impossível e tenta no poema dizer o indizível: subverte a sintaxe implode a fala, ousa incutir na linguagem densidade de coisa sem permitir, porém, que perca a transparência já que a coisa ë fechada à humana consciência. O que o poeta faz mais do que mencioná-la

Viagens e viajantes*

Quando inicia a madrugada Os grilos cantam a lua que brilha Sinto os anjos brincando estrelas Talvez as nuvens passem trazendo sonhos Recolho sob a coberta a espreita Será que ele vem? Os pirilampos anunciam a chegada de Hermes Dioniso também se apresenta Meu coração solta de alegria Bendigo a imaginação e os uivos dos lobos Minha mulher selvagem se apresenta Mistério e fantasia real Porque a lua brilha Eu me dissolvo no pó cósmico, pois, Viajante intergaláctica eu sou! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Poeta. Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Receita pra lavar palavra suja*

É que eu queria dizer uma coisa que eu não posso sair dizendo por aí Na verdade é um segredo que eu guardo É uma revelação que não posso sair dizendo por aí Que eu tenho medo que as pessoas se desequilibrem de si Que elas caiam delas mesmas quando eu disser Eu descobri que a palavra não sabe o que diz A palavra delira A palavra diz qualquer coisa A verdade é que a palavra nela mesmo em si própria Não diz nada Quem diz é o acordo estabelecido entre quem fala e quem ouve Quando existe acordo, existe comunicação Quando esse acordo se quebra, ninguém diz mais nada Mesmo usando as mesmas palavras A palavra é uma roupa que a gente veste (…) *Viviane Mosé

Os Opostos*

Os Opostos se atraem, dizem Ele lutava com os opostos Dia a dia Dentro de si. Para ele não havia vida na linha do equador. Havia, sim, vida acima ou abaixo do equador. Viver na linha mediana, para ele, era não viver. Definhava sob o ar condicionado. Fugia do meio termo como o capeta foge da cruz. O morno nem o esquentava, nem tampouco, o esfriava. O morno cheirava a mofo. Se negava a jogar no meio de campo. Fechava as balizas de um lado, ou estufava as redes do outro. Na loteria da vida não marcava a coluna do meio. Mas existiam empates. Quem o conhecia sabia. Seu "oito" era um grãozinho de areia. Um fiozinho de fumaça que sumia. Uma miragem de nevoeiro que sumia. Um pedacinho de nuvem quebrada que sumia num buraco negro. Diminuto, virava diminutivo e se transformava em Mínimo Múltiplo Comum. Virava nada, nada fazia e repousava nas espumas das águas do nada. Mas não se entregava Há que inventar a vida a cada dia. Seu "oitenta" era mil. Um milh

Os deslimites da palavra*

Ando muito completo de vazios. Meu órgão de morrer me predomina. Estou sem eternidades. Não posso mais saber quando amanheço ontem. Está rengo de mim o amanhecer. Ouço o tamanho oblíquo de uma folha. Atrás do ocaso fervem os insetos. Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino. Essas coisas me mudam para cisco. A minha independência tem algemas *Manoel de Barros

Renovação*

Percebi que para estar bem, totalmente liberta das amarras dos agendamentos incutidos durante anos em nossas vidas, precisamos dar um salto de coragem. Esse salto é deveras dolorido pois o medo tende a rondar pelas esquinas do caminho das mudanças mais profundas da alma. Entretanto com a ajuda correta, escolhida pelo ser-singular, através de terapia e da autoaceitação, é possível. Não importa as ferramentas para a decidida mudança, basta "querer mudar", sair do conforto do que se conhece para abrir as portas para o novo. Sei que este novo traz muitos questionamentos e receios profundos. Choros compulsivos, inseguranças, dúvidas são algumas das tentativas de atrapalhar esse salto. Nossas sombras mais escondidas ou enterradas pelo nosso Ego, gritam tentando nos impedir de enxergá-las para ir de encontro à passarela da felicidade. Mas, depois de expurgar as purulentas dores emocionais, eis que aparece luz, um ponto ao longe, quase imperceptível. Só, somente, quando

O guardador de rebanhos*

Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente Vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr de sol Para a nossa imaginação, Quando esfria no fundo da planície E se sente a noite entrada Como uma borboleta pela janela. Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. Como um ruído de chocalhos Para além da curva da estrada, Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes, Porque, se o não soubesse, Em vez de serem contentes e tristes, Seriam alegres e contentes. Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que chove mais. Não tenho ambições nem desejos Ser poeta não é uma ambição minha É a minha maneira d

Brevidade do sempre*

      “Ora, aqui não se trata apenas de confrontar ideias mas de as encarar e fazer viver, e só experimentando se pode saber do que são capazes.” Maurice Merleau-Ponty A vida é breve. É o tempo insuficiente para se dar o fim de todas as dúvidas. Li certa vez em um livro, do qual não me recordo o nome, que a brevidade da vida é que faz um ateu, que o mundo é vasto demais para se ter tempo de senti-lo, que se Deus existe se precisaria mais do que um século para conhecê-lo. Herético esse livro. No mínimo eu deveria suprimir todas as dúvidas filosóficas e existenciais que vem no andar dos dias, na velocidade do tempo. Ando em busca do tempo que fale mais aos meus ouvidos, não do tagarela moralista a incomodar o lado mais puro, ou seja, crer no não crer é uma atribuição saudável ao Ser. Pensando bem, não li em livro algum, foi um texto que comecei escrever ainda quando era um jovem estudante de filosofia. Na época queria ter a possibilidade de conhecer o mais longe possív

As urgências da vida*

Nunca houve carência de amor nem no mundo nem na história. Não há miséria no amor! O problema sempre foi a carência de amar de ontem e de hoje. E essa carência persiste em muitos corações vazios. Ora pois, para muitos, mas muitos mesmo, amar não é amar, é somente acumular ora em posses ora em propriedades não ultrapassando quase nunca a tentativa de aprisionar belezas como se amar pudesse ser um tesouro aprisionado na solidão de um apego gritante ou no cárcere de um egoísmo sufocante. Em contrapartida, para poucos que tentam somar e se multiplicar cada vez mais, incansavelmente, amar é simplesmente amar tão somente porque não há concessão nem opressão, uma vez que inexiste imposição de condições por ungirem-se numa consciência coletiva de que amar apenas condiz com cuidar, libertar e sorrir no sentido do respeito, da consideração, da gratidão e da paz que, por isso, literalmente é amor. Porventura, a grande urgência e emergência da vida possa cada vez mais se dirigir n

V Colóquio Nacional de Filosofia Clínica

Agradecemos aos colegas, amigos, visitantes, que prestigiaram a V edição do encontro anual de Filosofia Clínica da Casa da Filosofia Clínica. Não por acaso, se multiplicam eventos dessa natureza pelo país afora. Desde que começamos as atividades conhecidas por 'encontro nacional de Filosofia Clínica', nos idos do ano de 1999 na Praia dos Ingleses em Santa Catarina, inclusive contrariando alguns interesses na época, os encontros, seminários, congressos, colóquios, se multiplicaram, mostrando a necessidade dos colegas e amigos se encontrarem e reencontrarem, para compartilhar estudos, publicações, pesquisas, atividades de consultório. Agora Porto Alegre, vem mostrando que também tem sua representação, no universo dos grandes eventos na área do novo paradigma. São tantos os agradecimentos, que não podemos mencionar nomes, pois são dezenas, centenas de pessoas, instituições, agremiações que contribuíram para o sucesso desse V Colóquio Nacional. De qualquer forma, quere

Expressividades*

em liberdade escolho... assumo e respondo experimentando com coragem. pensem o que quiserem de mim e do mundo. Quem é livre, liberta. na escolha há perdas, nas perdas aprendizagens. Ser o que se é, na contínua construção, nos tira da condição de escravos. O ontem habita o agora no fazer o amanhã. Somos o que pensamos somos nossas ações. *Dra. Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Tecendo a Manhã*

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão. *João Cabral de Melo Neto

A vida na vida*

Importa saber resistir, persistindo com ternura naquilo que vale a pena. E é disso que ecoa sentimentos que de tão fundamentais, jamais nos deixa esquecer o valor de um sorriso e da gratidão por percebermos os perfumes das flores presentes agora em tantos jardins da vida que tocamos sendo tocados.  Caminhando, pouco a pouco, passo a passo, vamos descobrindo uma nova forma de ver e de sentir para nos despertar cada vez mais nítido e fiel as formas e conteúdos do agora. Somos conjunções de sentidos e sentimentos que recebem oportunidades para fazer prosperar em nós mesmos o poder de nos superar a cada pulso que passa.  É lindo descobrir que podemos promover a mudança que desejamos no outro e no mundo a partir de nós mesmos, pois só assim será legítimo e duradouro. E do nosso modo de lidar com a vida na vida vai surgindo a coragem necessária para escolher como processo feliz e bem sucedido a superação de dores e dissabores que só tiveram efeito até sobrepujarmos numa colheita

Incompletudes*

Ela vai indo Vai acolhendo Vai cuidando Vai desculpando Vai compreendendo Vai gostando... E continua indo Dando acolhida Dando abraço Dando colo Dando conforto Dando ausências... Continua indo, vai além Mas vai-se cansando Não aprendeu a colocar pontos finais Seus ciclos ficam abertos Vira vírgula, três pontinhos, reticências Uma falta de começar a receber. Vai indo e vai-se doando Até que sobra bem pouco Quer parar de se doar E começar a receber Quer aceitar um pouquinho Que os outros tem para lhe dar. Assim ela era Aprendeu a cuidar Mas de si não sabia cuidar *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

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