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O Albatroz*

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem Pegam um albatroz, imensa ave dos mares, Que acompanha, indolente parceiro de viagem, O navio a singrar por glaucos patamares. Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés, O monarca do azul, canhestro e envergonhado, Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, As asas em que fulge um branco imaculado. Antes tão belo, como é feio na desgraça Esse viajante agora flácido e acanhado! Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça, Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado! O Poeta se compara ao príncipe da altura Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar; Exilado no chão, em meio à turba obscura, As asas de gigante impedem-no de andar. *Charles Baudelaire

Interlúdio*

As palavras estão muito ditas e o mundo muito pensado. Fico ao teu lado.   Não me digas que há futuro nem passado. Deixa o presente — claro muro sem coisas escritas.   Deixa o presente. Não fales, Não me expliques o presente, pois é tudo demasiado.   Em águas de eternamente, o cometa dos meus males afunda, desarvorado.   Fico ao teu lado. *Cecília Meireles

Poema Perdido de Fernando Pessoas***

Cada palavra dita é a voz de um morto. Aniquilou-se quem se não velou   Quem na voz, não em si, viveu absorto. Se ser Homem é pouco, e grande só   Em dar voz ao valor das nossas penas E ao que de sonho e nosso fica em nós   Do universo que por nós roçou Se é maior ser um Deus, que diz apenas   Com a vida o que o Homem com a voz: Maior ainda é ser como o Destino   Que tem o silêncio por seu hino E cuja face nunca se mostrou. *Fernando Pessoas **Poema perdido de Fernando Pessoas (19/09/1918)

A livraria no caminho entre o parque e o café*

"O tempo presente e o tempo passado Estão ambos talvez presentes no tempo futuro E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo o tempo é eternamente presente Todo tempo é irredimível" T.S.Eliot No caminho entre o restaurante, café, a livraria do sebo, Ex Libris, e do meu trabalho paro quase sempre para olhar a vitrine. Abro a porta e falo com a moça que atende e pergunto: o que tem de interessante ou quanto custa esse aqui? Já comprei muitos livros e o que mais impressiona são as dedicatórias, ou quando as pessoas resolvem sublinhar com lápis e canetas coloridas o mesmo livro. Foi hoje, três cores em um livro. Um senhor livro, um T.S. Eliot, Poesia (Collected Poems). Tradução de Ivan Junqueira, Nova Fronteira, 2 edição, 1981. Livro que já tive, que ganhei um dia de aniversário nos anos 80. Perdi num bar quando estava viajando de férias. Sei lá. Li, reli os poemas depois na casa de uma namorada que me emprestara e tive o trabalho de devolver no

Buscas*

Procuro o novo O desconhecido O inexistente E encontro o velho O que sempre foi Procuro o novo Incansavelmente Deparo-me Com amarras Agendamentos Repressões Procuro o novo Novamente e de novo e de novo Circular envolto Dissolvo-me Na arte de me reinventar! *Dra Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Poetisa. Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Um poeta é o menos poético de tudo o que existe, porque lhe falta identidade; continuamente está indo para - e preenchendo - algum outro corpo. O sol, a lua, o mar, assim como homens e mulheres, que são criaturas de impulso, são poéticos e têm ao seu redor um atributo imutável; o poeta não, carece de identidade. Certamente é a menos poética das criaturas de Deus." "(...) porque se, na verdade, é o homem esse animal que quer permanecer, o artista busca permanência transferindo-se para sua obra, fazendo-se sua própria obra, e atinge-a na medida em que se torna obra." "Se o poeta é sempre 'algum outro', sua poesia tende a ser igualmente 'a partir de outra coisa', a encerrar visões multiformes da realidade na recriação singularíssima da palavra." "Os poetas se compreendem de poema a poema melhor do que em seus encontros pessoais." "Com Antonin Artaud calou na França uma palavra dilacerada que só esteve pela

As palavras e o corpo*

Escrevo em águas turvas E as palavras somem. Poupam-me o trabalho De apagá-las. Permanecem, porém, os rabiscos Tatuados em meu corpo Aninhados em minh'alma. As lembranças, Assim como as palavras Que tentam se apagar Com uma borracha branca Ficam borradas Mas ficam, Ainda assim... Não seriam os olhos Um espelho pelo avesso Quem iluminam para dentro? *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"Escrever implica calar-se, escrever é, de certo modo, fazer-se 'silencioso como um morto', tornar-se o homem a quem se recusa a última réplica, escrever é oferecer, desde o primeiro momento, essa última réplica ao outro."  "(...) escreve-se talvez menos para materializar uma ideia do que para esgotar uma tarefa que traz em si sua própria felicidade." "O estruturalismo é essencialmente uma atividade, isto é, a sucessão articulada de certo número de operações mentais." "(...) A estrutura é pois, de fato, um simulacro do objeto, mas um simulacro dirigido, interessado, já que o objeto imitado faz aparecer algo que permanecia invisível, ou, se se preferir, ininteligível no objeto natural." "(...) a literatura é pelo contrário a própria consciência do irreal da linguagem: a literatura mais 'verdadeira' é aquela que se sabe a mais irreal, na medida em que ela se sabe essencialmente linguagem, é aquela procura d

A palavra ressonância*

       Escrever sobre as repercussões de um encontro clínico, reivindica deslocar-se em estado de redução fenomenológica. Se trata de tentar visualizar eventos em sua matriz de desencadeamento compartilhado, por onde acessos inesperados se descortinam, sugerem uma dialética nem sempre traduzível.    As poéticas da terapia esboçam seus inéditos e os ampliam pela interseção bem sucedida. Esses enredos seriam inimagináveis não fora a alquimia da atuação subjuntiva, a qual, iniciada na hora_sessão, se multiplica no cotidiano por vir. Dos múltiplos aspectos sobre seu alcance, sentido, direção, se destaca a alteração dos pontos de vista. Reinvenção pela aptidão dos procedimentos a se tornar transformação pessoal pela via da introspecção.    A cooperação da categoria tempo é fundamental, nesse momento irrepetível, onde uma chave encontra sua porta. Ao acolher compreensivamente o que ressoa, é possível modificar representações, redescobrir-se em meio ao ir e vir das conexões. 

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