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Enquanto Faço Verso…*

Enquanto faço o verso, tu decerto vives. Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue. Dirás que sangue é o não teres teu ouro E o poeta te diz: compra o teu tempo Contempla o teu viver que corre, escuta O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo. Enquanto faço o verso, tu que não me lês Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala. O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas: “Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”. Irmão do meu momento: quando eu morrer Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo: Morre o amor de um poeta. E isso é tanto, que o teu ouro não compra, E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto Não cabe no meu canto. *Hilda Hilst

Eu e meus outros eus*

Sei que eu sou eu Mas não sou só eu Sou eu, e sou minhas circunstâncias Sou eu e sou os meus outros eus. Sou só, sozinho, solitário Sou único, sou singular Todavia, sou plural , também Sou estes pedacinhos Que outros deixaram em mim Sou, ainda, estes pedacinhos Que outros levaram de mim Apenas me prolonguei Me expandi Me enriqueci Nada perdi Cresci Fiquei maior e melhor.... talvez! Se eu não sou nem meu Como poderia ser de alguém Ou alguém poderia ser meu??? *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Tratado geral das grandezas do ínfimo*

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. *Manoel de Barros

O viajante de amanhãs*

“O filósofo é uma das maneiras pela qual se manifesta a oficina da natureza – o filósofo e o artista falam dos segredos da atividade da natureza.”                      Friedrich Nietzsche O espírito aventureiro impróprio à cristalização do saber, se refaz nas escaramuças de um território movido a movimento. Seu viés de intimidade precursora se alimenta das ruas, estradas, subúrbios desmerecidos. É incomum ser facilmente compartilhável, esses eventos anteriores ao engessamento conceitual. A irregularidade narrativa como propósito sem propósito, se reveste de uma quase poesia, para tentar dizer algo sobre os eventos irreconciliáveis com a ótica dos limites bem definidos. Essa lógica de singularidades flutuantes se aplica as coisas irreconhecíveis ao vocabulário sabido. Seu desprezo pelas fronteiras, objetivadas pelos acordos e leis, é capaz de antecipar amanhãs no agora irrecusável. Num caráter de existência marginal entre o cotidiano e a miragem das lonjuras, parece q

O Albatroz*

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem Pegam um albatroz, imensa ave dos mares, Que acompanha, indolente parceiro de viagem, O navio a singrar por glaucos patamares. Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés, O monarca do azul, canhestro e envergonhado, Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, As asas em que fulge um branco imaculado. Antes tão belo, como é feio na desgraça Esse viajante agora flácido e acanhado! Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça, Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado! O Poeta se compara ao príncipe da altura Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar; Exilado no chão, em meio à turba obscura, As asas de gigante impedem-no de andar. *Charles Baudelaire

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