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Aviso*

Se me quiseres amar, terá de ser agora: depois estarei cansada. Minha vida foi feita de parceria com a morte: pertenço um pouco a cada uma, pra mim sobrou quase nada. Ponho a máscara do dia, um rosto cômodo e simples, e assim garanto a minha sobrevida. Se me quiseres amar, terá de ser hoje: amanhã estarei mudada. *Lya Luft

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Tudo que é essencial, não apenas a essência da técnica moderna, se mantém, por toda parte, o maior tempo possível, encoberto." "Todo pensamento essencial atravessa incólume o cortejo dos prós ou dos contras." "A ciência sempre se depara e se encontra, apenas, com o que seu modo de representação, previamente, lhe permite e lhe deixa, como objeto possível." "Na linguagem da metafísica ocidental, a palavra coisa diz o que de alguma maneira, é algo." "A jarra é uma coisa à medida e enquanto coisifica, no sentido de reunir e recolher, numa unidade, as diferenças." "Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer (...)" "O pensar vige em virtude da dobra que se mantém não pronunciada." "Com suas convicções seguras e teimosas, a opinião cotidiana, porém, passa sempre ao largo do mistério." *Martin Heidegger in

Poema para uma aeromoça*

"Que estranhos sonhos embalam aquela aliança em seu dedo? Filhos, afeto, chegar em casa, ter seu canto... Que sonhos ainda embalam aquela aliança? Escrever um livro, viajar, deixar tudo... Talvez apenas repouse ali, aquela aliança, Dourada e esquecida dos sonhos." *Valter Bende Filósofo Clínico Campo Grande/MS

Sentido*

Que fique muito mal explicado Não faço força pra ser entendido Quem faz sentido é soldado Para todos os efeitos meus defeitos não são meus Que importa o sentido se tudo vibra? Não importa o sentido O bramido do meu canto mudo Comporta bemóis e sustenidos Convoca ouvidos surdos Ao silêncio suave Da melodia sem conteúdo Está escrito Quem não quiser ceder ao canto das páginas feche os olhos ou tape com cera os ouvidos. *Alice Ruiz

A literatura dos especialistas*

  “Deus tem em jogo sua existência nessa morte livre que um homem resoluto se dá.” Maurice Blanchot Existe uma literatura na cabeça, melhor existem literaturas em cabeças pensantes, em cabeças mercantilistas, em cabeças afetadas, e o melhor, em cabeças utópicas. Utopia nos dias de hoje parece mais um livro obsoleto, um livro de pouco interesse de mercado. Quando bate a crise, o livro é o primeiro a cair no esquecimento.  Esses dias uma pessoa me falou que a crise é de todos, mas poucos conseguem morrer nela, conscientes de suas ideias, de suas utopias. Fiquei com esse pensamento durante dias, do início ao fim da badalada Flip (em Paraty/RJ), a mesma que prestigia a cultura, que nomeia os melhores, que busca divulgar nossa produção. Tantas coisas que já não consigo lembrar por falta de interesse em ter essas iniciativas como verdadeiras representantes de nossa cultura. Sei, a Flip, as bienais do Rio de Janeiro e de São Paulo perderam seu brilho.  A mídia há muito come

A carta*

Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida, Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria… Eu tenho um medo Horrível A essas marés montantes do passado, Com suas quilhas afundadas, com Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas… Ai de mim, Ai de ti, ó velho mar profundo, Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios! *Mário Quintana

Enquanto Faço Verso…*

Enquanto faço o verso, tu decerto vives. Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue. Dirás que sangue é o não teres teu ouro E o poeta te diz: compra o teu tempo Contempla o teu viver que corre, escuta O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo. Enquanto faço o verso, tu que não me lês Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala. O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas: “Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”. Irmão do meu momento: quando eu morrer Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo: Morre o amor de um poeta. E isso é tanto, que o teu ouro não compra, E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto Não cabe no meu canto. *Hilda Hilst

Eu e meus outros eus*

Sei que eu sou eu Mas não sou só eu Sou eu, e sou minhas circunstâncias Sou eu e sou os meus outros eus. Sou só, sozinho, solitário Sou único, sou singular Todavia, sou plural , também Sou estes pedacinhos Que outros deixaram em mim Sou, ainda, estes pedacinhos Que outros levaram de mim Apenas me prolonguei Me expandi Me enriqueci Nada perdi Cresci Fiquei maior e melhor.... talvez! Se eu não sou nem meu Como poderia ser de alguém Ou alguém poderia ser meu??? *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Tratado geral das grandezas do ínfimo*

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. *Manoel de Barros

O viajante de amanhãs*

“O filósofo é uma das maneiras pela qual se manifesta a oficina da natureza – o filósofo e o artista falam dos segredos da atividade da natureza.”                      Friedrich Nietzsche O espírito aventureiro impróprio à cristalização do saber, se refaz nas escaramuças de um território movido a movimento. Seu viés de intimidade precursora se alimenta das ruas, estradas, subúrbios desmerecidos. É incomum ser facilmente compartilhável, esses eventos anteriores ao engessamento conceitual. A irregularidade narrativa como propósito sem propósito, se reveste de uma quase poesia, para tentar dizer algo sobre os eventos irreconciliáveis com a ótica dos limites bem definidos. Essa lógica de singularidades flutuantes se aplica as coisas irreconhecíveis ao vocabulário sabido. Seu desprezo pelas fronteiras, objetivadas pelos acordos e leis, é capaz de antecipar amanhãs no agora irrecusável. Num caráter de existência marginal entre o cotidiano e a miragem das lonjuras, parece q

O Albatroz*

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem Pegam um albatroz, imensa ave dos mares, Que acompanha, indolente parceiro de viagem, O navio a singrar por glaucos patamares. Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés, O monarca do azul, canhestro e envergonhado, Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, As asas em que fulge um branco imaculado. Antes tão belo, como é feio na desgraça Esse viajante agora flácido e acanhado! Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça, Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado! O Poeta se compara ao príncipe da altura Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar; Exilado no chão, em meio à turba obscura, As asas de gigante impedem-no de andar. *Charles Baudelaire

Interlúdio*

As palavras estão muito ditas e o mundo muito pensado. Fico ao teu lado.   Não me digas que há futuro nem passado. Deixa o presente — claro muro sem coisas escritas.   Deixa o presente. Não fales, Não me expliques o presente, pois é tudo demasiado.   Em águas de eternamente, o cometa dos meus males afunda, desarvorado.   Fico ao teu lado. *Cecília Meireles

Poema Perdido de Fernando Pessoas***

Cada palavra dita é a voz de um morto. Aniquilou-se quem se não velou   Quem na voz, não em si, viveu absorto. Se ser Homem é pouco, e grande só   Em dar voz ao valor das nossas penas E ao que de sonho e nosso fica em nós   Do universo que por nós roçou Se é maior ser um Deus, que diz apenas   Com a vida o que o Homem com a voz: Maior ainda é ser como o Destino   Que tem o silêncio por seu hino E cuja face nunca se mostrou. *Fernando Pessoas **Poema perdido de Fernando Pessoas (19/09/1918)

A livraria no caminho entre o parque e o café*

"O tempo presente e o tempo passado Estão ambos talvez presentes no tempo futuro E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo o tempo é eternamente presente Todo tempo é irredimível" T.S.Eliot No caminho entre o restaurante, café, a livraria do sebo, Ex Libris, e do meu trabalho paro quase sempre para olhar a vitrine. Abro a porta e falo com a moça que atende e pergunto: o que tem de interessante ou quanto custa esse aqui? Já comprei muitos livros e o que mais impressiona são as dedicatórias, ou quando as pessoas resolvem sublinhar com lápis e canetas coloridas o mesmo livro. Foi hoje, três cores em um livro. Um senhor livro, um T.S. Eliot, Poesia (Collected Poems). Tradução de Ivan Junqueira, Nova Fronteira, 2 edição, 1981. Livro que já tive, que ganhei um dia de aniversário nos anos 80. Perdi num bar quando estava viajando de férias. Sei lá. Li, reli os poemas depois na casa de uma namorada que me emprestara e tive o trabalho de devolver no

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