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O menino que carregava água na peneira*

Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. O mesmo que criar peixes no bolso. O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio, do que do cheio. Falava que vazios são maiores e até infinitos. Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito, porque gostava de carregar água na peneira. Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo. O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de modificar a tar

Conjugações existenciais*

Existe um lugar onde é possível reinventar-se em vida. Nesse refúgio intersubjetivo é crível desfazer e refazer as coisas, segredar vontades, qualificar ensaios existenciais, traduzir sonhos. Num contexto de significação flutuante, se ampliam horizontes numa arte do encontro.   Em um espaço de acolhimento, cultivo, reciprocidade, as narrativas compartilhadas sugerem uma hermenêutica do estar junto. Atiça expressividades na integração das incompletudes. Em busca de fluência discursiva, ao instituir um novo território, aponta originais no ângulo fugaz do instante.   Algo mais acontece quando duas ou mais pessoas se encontram. Seu teor de abrigo é um farol na solidão dos exílios. Sua matéria-prima é a afinidade das palavras, por onde um extraordinário encontro se realiza. Com essa integração provisória da malha intelectiva, se institui um chão para se ousar o não pensado, cogitado, tentado.  Nessa reunião de vontades, acessada numa determinada sintonia, é possível transce

A imagem na tela*

“O novo automatismo de nada serve por si só se não estiver ao serviço de uma poderosa vontade de arte, obscura, condensada, que aspira a desdobrar-se em movimentos involuntários que contudo não a constranjam.” Gilles Deleuze (A imagem-Tempo, Cinema 2) Sou do tipo que utiliza computador de mesa, um ser quase em extinção disse um dia desse uma voz cifrada do outro lado do écran. Agora o que mais se fala é da autonomia do cérebro, pensa em algo, lá está, o significado é o algoritmo da informação; os olhos, a câmara que move na linguagem cifrada. Para Deleuze, a informação aproveita-se de sua ineficácia para alicerçar seu poder. O poder impotente. O uso da linguagem cada vez mais é dependente das criptografias nulas, do constructo das linguagens a nudez vira um afronto. Era tudo que eu queria, a nudez viver ao lado do que cobre sobre a pele como uso livre da linguagem do corpo aos olhos do mundo laico. Tudo é uma questão de adaptação ou tudo é uma questão de tempo para n

Fragmentos Filosóficos, Poéticos, Delirantes*

"O leitor se inclina e se precipita. E ao cair - ou ao ascender, ao penetrar nos aposentos da imagem e entregar-se ao fluir do poema - se desprende de si mesmo para integrar-se em 'outro si mesmo' até então desconhecido ou ignorado."  "O próprio da poesia consiste em ser uma contínua criação e assim tirar-nos de nós mesmos, desalojar-nos e levar-nos às nossas possibilidades mais extremas." "A estranheza é assombro diante de uma realidade cotidiana que se revela de repente como o nunca visto." "(...) a esquizofrenia revela semelhanças com o pensamento mágico." "A poesia é metamorfose, mudança, operação alquímica, e por isso faz fronteira com a magia, a religião e com outras tentativas de transformar o homem e fazer 'deste' e 'daquele' o 'outro' que é ele mesmo."  "(...) nós somos o tempo, não são os anos que passam, mas nós que passamos." "Mas todo silêncio human

Transbordamentos*

Escrever transborda porque é um ato vivo. E se vivo, voluntário mesmo que por qualquer distração ou pretensão se pareça involuntário. Escrever nunca é um acidente, não é uma contingência; é intencionalidade, jamais por acaso. Escrever é vida por transbordar sentimentos sempre em alguma medida. E, talvez, a medida do poeta seja sempre a desmedida. Por isso, a poesia toca seja como for e nunca deixa ninguém sair ileso. Porventura, não há poesia indiferente - encanta ou desencanta - denuncia ou saúda - inquieta ou acalenta - repele ou atraí; transforma e comove tanto no mais profano dos ideias quanto no mais divino da prepotência. Enfim, para despertar consciência e conquistar sabedoria nunca bastará apenas conhecer caminhos, pois fundamentalmente, será sempre inevitável ter coragem e vontade para realizar percursos sem garantia de fato mas que poderão tornar-se coloríveis pela poesia de cada um como autor da sua própria história. Musa! Prof. Dr. Pablo Eutenio Mendes

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Meu pensamento não poderia dar um passo se o horizonte de sentido que ele abre não se tornasse, pela palavra, aquilo que no teatro se chama um praticável." "Diz-se que há um muro entre nós e os outros, mas é um muro que fazemos juntos: cada qual coloca a sua pedra no vão deixado pelo outro." "Coisa alguma, lado algum da coisa não se mostra senão ocultando ativamente as outras, denunciando-as no ato de encobri-las." "(...) a cultura nunca nos oferece significações absolutamente transparentes, a gênese do sentido nunca está terminada. Aquilo a que chamamos com razão nossa verdade, sempre o contemplamos apenas num contexto de signos que datam o nosso saber." "(...) Enfim, temos de considerar a palavra antes de ser pronunciada, o fundo de silêncio que não cessa de rodeá-la, sem o qual ela nada diria, ou ainda pôr a nu os fios de silêncio que nela se entremeiam." "(...) a linguagem diz, e as vozes da pintura sã

Extravio*

Onde começo, onde acabo, se o que está fora está dentro como num círculo cuja periferia é o centro? Estou disperso nas coisas, nas pessoas, nas gavetas: de repente encontro ali partes de mim: risos, vértebras. Estou desfeito nas nuvens: vejo do alto a cidade e em cada esquina um menino, que sou eu mesmo, a chamar-me. Extraviei-me no tempo. Onde estarão meus pedaços? Muito se foi com os amigos que já não ouvem nem falam. Estou disperso nos vivos, em seu corpo, em seu olfato, onde durmo feito aroma ou voz que também não fala. Ah, ser somente o presente: esta manhã, esta sala. *Ferreira Gullar

Insanidades...*

Da última vez que fizeram amor Esqueceram de se olhar bem nos olhos Esqueceram de dizer um ao outro Eu te amo... Riram muitas vezes E tantas vezes Que da última vez Ela chorou E ele não sabia porquê... Depois dos "metrossexuais" Surgiram os "sapiossexuais" Fascinação pela inteligência cultural Amor pela leitura, pelos livros. Agora ele era o "outro" Na vida dela Ela o trocou, de repente Pelo amor aos livros. *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Filósofo Clínico da Casa da Filosofia Clinica Porto Alegre/RS

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