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Mapa de anatomia: o olho*

O Olho é uma espécio de globo, é um pequeno planeta com pinturas do lado de fora. Muitas pinturas: azuis, verdes, amarelas. É um globobrilhante: parece cristal, é como um aquário com plantas finamente desenhadas: algas, sargaços, miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro.   Mas por dentro há outras pinturas, que não se vêem: umas são imagens do mundo, outras são invetadas.   O Olho é um teatro por dentro. E às vezes, sejam atores, sejam cenas, e às vezes, sejam imagens, sejam ausências, formam, no Olho, lágrimas. *Cecília Meireles

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) Não pode imaginar o quanto é amargo para mim quando as pessoas não me compreendem, quando deturpam o que eu disse e veem tudo distinto do que eu pensei.." "Querido irmão, Perdoe-me por não ter escrito antes. Estou tendo, como de costume, um monte de aborrecimentos para resolver. Meu romance, do qual simplesmente não consigo fugir, mantém-me eternamente trabalhando. Se eu soubesse de antemão como seria isso, eu jamais teria começado a escrevê-lo. Decidi refazê-lo totalmente e, meu Deus, como isso fez o texto melhorar." "(...) Estive apaixonado pela esposa de Panaiev, mas passou, ainda que siga pensando nela. Minha saúde está terrivelmente abalada. Estou neurótico e temo ficar febril a qualquer momento. Não consigo viver decentemente, sou um dissoluto. Se não conseguir me banhar no mar durante o verão, serei um desgraçado. Adeus. Por favor, escreva. Perdoe-me por essa carta desajeitada. Eu estou com pressa. Um beijo, meu irmão. Seu, Dostoiév

Cartografia da Educação*

    Torna-se patente hoje o fato de que as construções modernas de uma razão subjetiva não eram menos utópicas do que as visões antigas e medievais de uma razão objetiva. Pois a razão subjetiva não é outra coisa senão um sujeito universal coerente. Peter Sloterdijk (Crítica da Razão Cínica)   Tenho medo de um país mais adiante, do país que vivo, ali na frente é na certa o naufrágio de um pôr do sol. Como tinha medo do país presente, melhor de um passado sem registros é o de conhecimento. É preciso que saiamos do legado moderno. Tenho este temor diante das cabeças em minha frente, o controle da ordem é a origem do pensamento, pois refletir nas certezas nos levaria ao racionalismo, nos poria no centro das discussões.  Não é o que parece, é o que vem acontecendo, cada vez mais o pensamento está sendo eivado pela brutalidade da lógica silenciosa de excluir o máximo possível, de colar o mínimo com mais força para poder fazer da realidade um acordo entre o que está disponíve

Tudo se me evapora*

Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora.  Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espetáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu. Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desreconheço-me neles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono alheio.  É frequente eu encontrar coisas escritas por mim quando ainda muito jovem - trechos dos dezessete anos, trechos dos vinte anos. E alguns têm um poder de expressão que me não lembro de poder ter tido nessa altura da vida. Há em certas frases, em vários períodos, de coisas escritas a poucos passos da minha adolescência, que me parecem produt

Errâncias*

Errante é o poeta Pois anda por caminhos Por ele mesmo desconhecidos Tão somente abre trilhas Tateando na sua penumbra Cambaleia, cai, e rasteja Levanta, e segue errando Sem saber ao certo Para onde vão seus passos. Como poderia conduzir Alguém por um caminho Se o próprio, desconhece Então escreve o seu caminho Para tentar conduzir-se Apenas por mais um passo Somente por mais um dia.... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Sou*

Sou o que sabe não ser menos vão Que o vão observador que frente ao mudo Vidro do espelho segue o mais agudo Reflexo ou o corpo do irmão. Sou, tácitos amigos, o que sabe Que a única vingança ou o perdão É o esquecimento. Um deus quis dar então Ao ódio humano essa curiosa chave. Sou o que, apesar de tão ilustres modos De errar, não decifrou o labirinto Singular e plural, árduo e distinto, Do tempo, que é de um só e é de todos. Sou o que é ninguém, o que não foi a espada Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada. *Jorge Luis Borges

* Amores

O amor basta em si mesmo porque se espalha, contagia, realiza e completa qualquer lacuna, mesmo as mais persistentes, do início a eternidade. E quem ama, se ama mesmo, liberta e respeita. Quem ama, se ama mesmo, permite prosseguir; permite que se prossiga em paz.  Quem ama, se ama mesmo, deseja de coração aberto o melhor a quem ele libertou, independente de caminharem lado a lado ou distantes conforme escolha própria.  Quem ama, se ama mesmo é feliz porque torna os outros felizes, porque torna tudo que toca feliz, por gratidão e ternura sapiente para se aceitar como se é, ao mesmo tempo em que aceita os outros como eles são... Quem ama, se ama mesmo sorri e apoia as conquistas, sobretudo, alheias.  Porventura, amar não é apego, não é posse nem propriedade, não é cobrança nem imposição. Enfim, seguramente, amar é, tão somente, doação e libertação por amor agora. Musa! *Prof. Dr. Pablo Mendes Filósofo. Educador. Filósofo Clínico da Casa da Filosofia Clínica Porto

O afogado mais bonito do mundo*

SOU ANTROPÓFAGO. DEVORO livros. Quem me ensinou foi Murilo Mendes: livros são feitos com a carne e o sangue dos que os escreveram. Os hábitos de antropófago determinam a maneira como escolho livros. Só leio livros escritos com sangue. Depois que os devoro, deixam de pertencer ao autor. São meus porque circulam na minha carne e no meu sangue.  É o caso do conto "O Afogado Mais Bonito do Mundo", de Gabriel García Márquez. Ele escreveu. Eu li e devorei. Agora é meu. Eu o reconto. É sobre uma vila de pescadores perdida em nenhum lugar, o enfado misturado com o ar, cada novo dia já nascendo velho, as mesmas palavras ocas, os mesmos gestos vazios, os mesmos corpos opacos, a excitação do amor sendo algo de que ninguém mais se lembrava... Aconteceu que, num dia como todos os outros, um menino viu uma forma estranha flutuando longe no mar. E ele gritou. Todos correram. Num lugar como aquele até uma forma estranha é motivo de festa. E ali ficaram na praia, olhando, esp

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"O nada e o ser são sempre absolutamente outros, é precisamente seu isolamento que os une; não estão verdadeiramente unidos, apenas se sucedem mais depressa diante do pensamento. Já que o vazio do Para-Si se preenche, já que o homem não está presente imediatamente a tudo, mas muito mais especialmente num corpo, numa situação e, somente através deles no mundo (...)." "(...) o olhar do outro - e é nisso que ele me traz algo de novo - envolve-me por inteiro, ser e nada." "Aparentemente, essa maneira de introduzir o outro como incógnita é a única que considera sua alteridade e a explica." "(...) o filósofo procura - uma linguagem da coincidência, uma maneira de fazer falar as próprias coisas." "(...) um mistério familiar e inexplicado, de uma luz que, aclarando o resto, conserva sua origem na obscuridade." "Lembrando Valéry: 'a linguagem é tudo, pois não é a voz de ninguém, é a própria voz das coisas, ondas e

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