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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Descrevendo o lógos como um zôon, Platão segue alguns retóricos e sofistas que, antes dele, opuseram à rigidez cadavérica da escritura a fala viva, regulando-se infalivelmente sobre as necessidades da situação atual, as expectativas e a demanda dos interlocutores presentes, farejando os lugares onde ela deve se produzir, fingindo curvar-se no momento em que ela se apresenta ao mesmo tempo persuasiva e constrangedora. O lógos, ser vivo e animado, é também um organismo engendrado" "O  lógos é, pois, o recurso, é preciso voltar-se para ele, e não somente quando a fonte solar está presente e nos ameaça queimar os olhos se os fixarmos nela; é preciso ainda voltar-se para o lógos quando o sol parece ausentar-se em seu eclipse. Morto, apagado ou oculto, esse astro é mais perigoso do que nunca" "Durante o reino de Osíris (rei-sol), Thot, que era também seu irmão, 'iniciou os homens nas letras e nas artes', 'criou a escritura hieroglífica para

Desejos*

Há muito, muito tempo começamos a gestar o micróbio da realidade que temos agora. Os anos calcificaram tanto a percepção até não mais lembrarmos que as agruras enfrentadas são justamente os males um dia pensados, materializados nas condições físicas e materiais do entorno ora vil. Um ditado para isso: “cuidado com o que desejas, pois pode se realizar”. Naquele tempo, não se sabia do “Segredo”, essa geração espontânea a partir do pensamento. E foi-se, dia após dia, não podendo mudar as circunstâncias nem a si mesmo, elaborando pragas e perjúrios, fornecendo substância para o que seria, no meio da jornada, uma pedra oca a guardar a escuridão. Numa estrada de terra no meio do quase nada, o motorista diz: “Olhe como são as coisas. Quando eu era menino, ficava andando nas estrada no Ceará, andava muito mesmo; de vez em quando, pegava carona e eu pensava – ainda vou dirigir um carro por essa terra toda. E hoje to aqui, sou motorista”. Por isso a gente precisa planejar o que quer

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) o Viajante curioso é para o Passageiro responsável aproximadamente o que o camaleão era para o urso. O primeiro investigador, etnógrafo, no limite, espião, para recolher conhecimento, tem antes de mais nada necessidade de se fazer admitir no espaço-tempo onde transita: é por isto que, seja qual for o lugar onde se introduz, ele tem que se disfarçar segundo a 'cor local', até quase confundir-se com o Outro, sem chegar, no entanto, jamais a querer se fundir nessa identidade diferente (...)" "(...) Desse ponto de vista, a mudança, esperada, desejada, assumida, torna-se paradoxalmente produtora de identidade. Aderir a ela, não é nesse caso 'morrer um pouco' deixando partir, como o que foi, uma parte de si que não será mais: é talvez, exatamente ao contrário, um dos meios mais elementares de afirmar sua própria existência, tanto ao olhar de si mesmo como diante de outrem. É mudar se não 'a vida', em todo caso, o sentido de sua própria v

Parafraseando***

Antes de libertas, As palavras sonham. A emoção, então, prevalece E a razão se aquieta O sonho das palavras é destemido É urgente! As sensações estão presentes E as palavras brotam. Veem com os olhos do coração Ouvem o que com elas se parece E retumbam, céleres os seus anseios. Palavras vão, palavras sonham Sonhos utópicos e realizam o seu espanto... Destroem, constroem em devaneios O destino a elas se apresenta em forma de labirinto Um rascunho, pelo meio...incompletas... À moda de mensagens certeiras, destemidas. Ilegíveis, inaudíveis? Talvez... Mas, por vontade, realizáveis São fortes as palavras tímidas... A mesma natureza, que as move, Faz do rascunho que elas montam O percurso das ideias proibidas Em busca da fresta que as conduza Por aquelas zonas indecifráveis. Por que, então, o sisudo discurso Em tensos rompantes, já esquecido? Discurso inaudível, invisível sim Pois as palavras ditas se esvaem ... As ai

Noite*

“O sol data o tempo interpretado nas ocupações.” Martin Heidegger Eu não sei se a solidão maior é estar sozinho ou é estar diante das certezas absolutas da vida. Se a certeza é uma definição, o absoluto de todas as coisas afunda-se nas incertezas de algo que é coisa do humano, demasiado humano.  Estamos envolvidos até a morte com as certezas.  O sujeito chega e solta sua sentença, ele vem com suas armas de morte, não de vida, pois a vida está bem distante das certezas do sujeito que as sentencia. É melhor tomar conta da vida que simplesmente desaparecer. *Prof. Dr. Luis Antonio Paim Gomes Filósofo. Editor. Livre Pensador. Porto Alegre/RS

Clarice Lispector entrevista Pablo Neruda*

Clarice Lispector — Você se considera mais um poeta chileno ou da América Latina? Pablo Neruda — Poeta local do Chile, provinciano da América Latina. Clarice Lispector —Escrever melhora a angústia de viver?   Pablo Neruda — Sim, naturalmente. Tra­ba­lhar em teu ofício, se amas teu o­fí­cio, é celestial. Senão é infernal. Clarice Lispector — Quem é Deus?   Pablo Neruda — Todos algumas vezes. Nada, sempre. Clarice Lispector — Como é que você descreve um ser humano o mais completo possível?   Pablo Neruda — Político, poético. Físico. Clarice Lispector — Como é uma mulher bonita para você?   Pablo Neruda — Feita de muitas mulheres. Clarice Lispector — Escreva aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento?   Pablo Neruda — Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos? Clarice Lispector — Em que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?   Pablo Neruda — Acredite-me tolo ou patriótico,

Leitor incomum*

“(...) Suas palavras chegavam aonde outros não conseguiam.”                     Virginia Woolf Um dizer protagonista aprecia surgir na vida do texto. Sua mensagem parece se divertir em passar despercebida a primeira vista. A textura inaudita ressoa poesia, musicalidade, convida ao sonho da vida real. Sua eficácia parece estar associada à multiplicação dos significados, reinvenção dos sentidos, descrição de um discurso a se traduzir como a própria autoria. Com ele a pluralidade de eventos, personagens se desdobra nas páginas da obra, uma trama convidativa às transgressões do leitor singular.    A essência da leitura parece ser a qualidade da interseção entre autor e leitor. As revisitas ao teor discursivo inicial, recheado de nuanças, brechas, incompletudes, dão boas vindas ao estranhamento dos originais. Esses momentos restariam perdidos sem a aptidão multiplicadora das palavras.      Uma de suas expressividades é apontar o que não pode ser dito naquilo que se di

Os Ombros Suportam o Mundo*

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. *Carlos Drummond de Andrade

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