Pular para o conteúdo principal

Postagens

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Quando a mãe do poeta se perguntava onde o poeta fora concebido, apenas três possibilidades eram levadas em consideração: uma noite sobre um banco de praça, uma tarde no apartamento de um pai do poeta, ou uma manhã num lugar romântico dos arredores de Praga" "(...) foi exatamente na primavera, quando os lilases estavam em flor, que ela foi levada para a maternidade; lá, após algumas horas de sofrimento, o jovem poeta deixou-se escorregar de sua carne sobre o lençol manchado do mundo"  "Jaromil sabia muito bem (...) que a originalidade do seu universo interior não era resultado de um esforço laborioso mas sim que se exprimia através de tudo o que passava fortuita e maquinalmente pela sua cabeça; que lhe fora dada, como um dom" "Desde então, acompanhou com muito mais atenção os seus próprios pensamentos e começou a admirá-los. (...) ocorreu-lhe a ideia de que, com a sua morte, o mundo onde vivia deixaria de existir" "(...

Retrato do artista quando coisa*

A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. *Manoel de Barros

Sobre o começo de tudo*

Ah, se nós soubéssemos Daquele lugar comum De onde todos viemos Anterior ao Jardim do Éden Antes da explosão inicial Aquela poeira cósmica Útero fecundo da humanidade. Ah, se nós soubéssemos De onde todos viemos Tão singulares e únicos Tão semelhantes entre nós E que o que nos une É bem maior Daquilo que nos pode separar. Deve haver um lugar Uma rachadura na armadura da palavra Um furo quase mudo no silêncio Uma brecha na flecha do tempo. Um tempo, uma linguagem, um silêncio... Bem antes... Ou bem depois... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Milagres*

Ora, quem acha que um milagre é alguma coisa de especial? Por mim, de nada sei que não sejam milagres: ou ande eu pelas ruas de Manhattan, ou erga a vista sobre os telhados na direcção do céu, ou pise com os pés descalços bem na franja das águas pela praia, ou fale durante o dia com uma pessoa a quem amo, ou vá de noite para a cama com uma pessoa a quem                                                                                      /amo, ou à mesa tome assento para jantar com os outros, ou olhe os desconhecidos na carruagem de frente para mim, ou siga as abelhas atarefadas junto à colmeia antes do meio-dia de verão ou animais pastando na campina ou passarinhos ou a maravilha dos insectos no ar, ou a maravilha de um pôr-de-sol ou das estrelas cintilando tão quietas e brilhantes, ou o estranho contorno delicado e leve da lua nova na primavera, essas e outras coisas, uma e todas — para mim são milagres, umas ligadas às outras ainda

Uma metafísica dos refúgios*

“Deram-me um corpo, só um! Para suportar calado, tantas almas desunidas, que esbarram umas nas outras.”                              Murilo Mendes Um íntimo estranhamento chega á superfície na forma de dizer desencontrado. O gesto inseguro, a voz trêmula, a lágrima bailarina, parecem traduzir a indefinição em curso dentro de si. Em nuanças de antigas vivências, a linguagem faz voltar o que parecia esquecido.    Ao descrever invisibilidades seu olhar insinua um caminho às mil mensagens interditas. A contenção física não fora capaz de desarrumar o caos precursor, aliás, amarrar o corpo serviu para liberar a alma. O espanto inicial multiplica os acessos a essa nascente. Através das miragens, franjas e detalhes quase imperceptíveis, se descreve num parágrafo maldito. O movimento especulativo se disfarça de realidade para insinuar segredos. Demonstra-se em trajetos pelos labirintos de si mesmo. Assim uma alma exilada em um corpo refém, transcreve um sonho acordando.

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Ivan Dmitritch sabia muito bem que eles haviam chegado ali para reformar o fogão na cozinha, mas o medo sugeriu-lhe que eram policiais disfarçados de limpa-chaminés" "O Dr. Andréi Iefimitch, (...) receitou compressas frias na testa e gotas de louro e cereja, balançou tristonho a cabeça e saiu, dizendo à senhoria que não voltaria mais, pois não se devia impedir as pessoas de perder o juízo" "(...) centenas de loucos passeiam em liberdade, porque a ignorância de vocês é incapaz de distingui-los dos sãos. Por que então eu e estes infelizes devemos ficar aqui, por todos, como bodes expiatórios ? O senhor, o enfermeiro, o vigia e toda esta canalha de hospital está, no sentido moral, muito abaixo de cada um de nós, por que então nós estamos aqui, e não vocês ? Onde está a lógica ?" "(...) quando, num futuro distante, tiverem terminado sua existência as prisões e os manicômios, não existirão grades nas janelas, nem roupões de internados. Es

Visitas