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O texto e a vida*

Em uma obra de essência inacabada, a pluralidade discursiva, nem sempre coerente e recheada com algum tipo de fundamentação, exibe capítulos de uma subjetividade em vias de acontecer. Nessa arquitetura de palavras, a versão dos rascunhos se inicia na multidão improvável dos sentidos sem tradução. Por esse não-lugar se alternam pronuncias da voz na palavra escrita. Um apurado senso de irrealidade parece tomar conta da estrutura narrativa. Ao (re)nascer de cada pessoa uma nova obra se inicia. As lógicas da incompletude ampliam as chances para descrever o infindável movimento da vida. Sua eficácia institui novos parágrafos existenciais e se oferece como possibilidade inadiável de reescritas. A autoria, em sua singularidade, esboça um cotidiano de páginas inéditas. A letra parece querer anunciar, desvendar, transgredir cotidianos em roteiros de inconclusão. Uma estranha alquimia ressoa no desajuste das entrelinhas. Como uma literatura que se esboça aos sons do silêncio, da

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas" "Numa evolução verdadeiramente criadora, existe apenas uma lei geral, segundo a qual um acidente está na raiz de qualquer tentativa de evolução" "Requer-se o novo para que o pensamento intervenha, requer-se o novo para que a consciência se afirme e a vida progrida. Ora, em princípio a novidade é, evidentemente, sempre instantânea" "Mas a função do filósofo não será a de deformar o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrato do concreto, para permitir ao pensamento evadir-se das coisas ?" "(...) ela leva em conta não apenas os fatos, mas também, e sobretudo, as ilusões - o que, psicologicamente falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do espírito é ilusão antes de ser pensamento"  "Para as concepções estatísticas do tempo, o intervalo entre dois instantes é apenas um intervalo de probabilidade; quanto mais

Fazer poesia*

Escrever poesia é esta tentativa de dizer algo sobre alguma coisa que não se deixa dizer inteiro. O que escapa é mais que aquilo que se escreve. É uma tentativa infrutífera de dar forma a alguma coisa que não se deixa "com-formar". Fazer poesia É tão somente tentar Sutis aproximações Tímidos achegamentos Sublimes congraçamentos Delicadas harmonizações. É um esforço De tentar moldar As nuvens com as mãos... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem" "Sou o intervalo entre o que sou e o que não sou, entre o que sonho e o que a vida fez de mim, a média abstrata e carnal entre coisas que não são nada, sendo eu nada também" "Mas, felizmente para a humanidade, cada homem é só quem é, sendo dado ao gênio, apenas, o ser mais alguns outros" "Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher" "Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo ? U universo não é meu: sou eu" "Qualquer coisa, conforme se considera, é um assombro ou um estorvo, um tudo ou um na

Técnica dos cupins e o blogueiro*

“Dois mil e quinhentos anos depois da tecedura de Platão, parece que agora não só os deuses, mas também os sábios se retiraram, deixando-nos sozinhos com nossa ignorância e nosso parco conhecimento das coisas.” Peter Sloterdijk Definitivamente o determinismo decretou que os blogs estão em crise, que as pessoas migram mais rápido que cupins de uma madeira a outra, que passam num movimento rápido à noite e que de durante o dia já se percebe que ali viveu um blog. Ninguém naquele espaço habitará mais, a não ser o vazio de caracteres deixados consiga ser a metafísica constante das linguagens trôpegas de uma modernidade cínica. Assim penso, será que foram os blogs que migraram à noite para outro espaço em caracteres em uma necessidade causal, que no lugar onde existia uma linguagem restou uma pasta oculta e que um dia alguém ainda irá lembrar? Ou mesmo, posso pensar, que de onde havia a linguagem nunca existiu destino e significados em sua textura, que tudo é fruto dos que pe

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) Croce entendia originariamente que a representação de um drama ou a declamação de um poema eram obras novas e diferentes da obra original; tal como na tradução, também neste caso, após um 'primeiro momento' em que o ator ou o declamador evocava a obra originária, com base neste 'antecedente' ou 'ponto de referência', desencadeava o 'segundo momento', a tradução propriamente dita, expressão da personalidade do intérprete e, portanto, obra nova e 'novo canto'"  "O estilo é o 'modo de formar', pessoal, irrepetível, característico; a marca reconhecível que a pessoa deixa de si na obra; e coincide com o modo como a obra é formada. A pessoa forma-se, portanto, na obra: compreender a obra é possuir a pessoa do criador feita objeto físico" "A pessoa forma na obra a sua experiência concreta, a sua vida interior, a sua irrepetível espiritualidade, a sua reação pessoal ao ambiente histórico em que vive, o

As palavras e eu*

Ah, as palavras que eu falava E aquelas que não falava Só eram um convite para a dança Um convite para o canto Ah, minhas palavras Queriam só ser palavras outras De um mundo outro Cansei das palavras cansadas Cansadas de tão reais Ah, minhas vãs palavras Caíram no vazio de um vão De um chão frio. Ah, as minhas palavras Apontavam um mundo que não existe Mas que poderia existir Afinal, quantos mundos existem Além deste único, meio cansado Que fazemos acontecer? Ah, minhas palavras vãs Beijavam os olhinhos dela Última tentativa de tirar as vendas Dos nossos olhos Mas éramos cegos Eu e ela. *José Mayer Filósofo. Livreiro. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"No escritor o pensamento não dirige de fora a linguagem: o escritor é ele mesmo um novo idioma que se constrói, que inventa meios de expressão e se diversifica segundo seu próprio sentido. O que chamamos de poesia talvez seja apenas a parte da literatura onde essa autonomia se afirma com ostentação. Toda grande prosa é também uma recriação do instrumento significante, doravante manejado segundo uma sintaxe nova" "Nossa língua reencontra no fundo das coisas a fala que as fez" "(...) jamais encontramos na fala dos outros senão o que nós mesmos pusemos, a comunicação é uma aparência, ela nada nos ensina de verdadeiramente novo. Como seria ela capaz de nos arrastar para além de nossos próprio poder de pensar, já que os signos que ela nos apresenta nada nos diriam se já não tivéssemos em nosso íntimo sua significação?" "(...) o olhar de minha memória a envolve, bastará que me reinstale no acontecimento para que tudo, os gestos do interloc

Poética do existir*

A gente não precisa dizer o que fez e faz. Cada vez mais viver é o que im-porta de verdade. Im-porta ser sempre aprendiz. Im-porta o carinho amigo. Im-porta o doar amor. Im-porta as coisas simples. Im-porta o agora pleno de histórias. Im-porta abrir a porta da existência E viver as Autogenias transformadoras. Im-portar com o outro que precisa de nossa escuta e presença. Im-portar as estrelas do céu e Pintar os fios de ouro nas estradas do viver. No portar-se como gente In-teira. In-teirando-se com o fogo, o ar a terra e água. Inteirando-se com múltiplas pessoas. Dissolvendo-se na poética do existir. *Dra. Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Na era moderna, uma das mais ativas metáforas para o projeto espiritual é a Arte. As atividades do pintor, do músico, do poeta, do bailarino, uma vez reunidas sob essa designação genérica (um gesto relativamente recente), mostraram-se um lugar particularmente propício à representação dos dramas formais que assediam a consciência, tornando-se cada obra de arte individual um paradigma mais ou menos perspicaz para a regulamentação ou a reconciliação de tais contradições" "Embora não seja mais uma confissão, a arte é mais do que nunca uma libertação, um exercício de ascetismo" "A história da arte é uma sucessão de transgressões bem-sucedidas" "O silêncio também existe como uma punição - na loucura exemplar de artistas (Holderlin, Artaud) que demonstram que a própria sanidade pode ser o preço da violação das fronteiras aceitas da consciência e, com certeza, nas penalidades (que vão da censura e da destruição física das obras de arte às mu

A palavra mundo*

Uma poética se anuncia num esboço de captura às múltiplas verdades. Nesse horizonte nem sempre coerente, a pessoa encontra um refúgio para integrar suas possibilidades existenciais.   Ao ser a visão de mundo inseparável de uma subjetividade, o teor dos termos agendados denuncia até onde se pode chegar. Um pouco antes dos movimentos de rebeldia, a linguagem, em vias de se ultrapassar, costuma emitir dissonâncias. Uma dessas características é o excesso de equivocidades discursivas, as quais, nem sempre podem ser traduzidas.   O sentido de ser sem sentido surge como afronta, sedução ou promessa, uma expressão para superar anterioridades. Ainda quando transcende na direção de alguém, em busca de acolhimento e compreensão, o sujeito pode se apresentar, inicialmente, fora de foco.   A palavra mundo exibe uma predisposição à vida, sua existência começa, se desenvolve e se conclui com ela. Sua voz se confunde com o sujeito que a pronuncia. Assim, ao reconhecer nesse

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Um comentário filológico dos textos não produziria nada: só encontramos nos textos aquilo que nós colocamos ali (...)" "É em nós mesmos que encontramos a unidade da fenomenologia e seu verdadeiro sentido" "Trata-se de descrever, não de explicar nem de analisar" "Descartes e sobretudo Kant desligaram o sujeito ou a consciência, fazendo ver que eu não poderia apreender nenhuma coisa como existente se primeiramente eu não me experimentasse existente no ato de apreendê-la" "O filósofo, dizem ainda os inéditos, é alguém que perpetuamente começa" "(...) não é preciso perguntar-se se nós percebemos verdadeiramente um mundo, é preciso dizer, ao contrário: o mundo é aquilo que nós percebemos" "O mundo é não aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele" "Todas as explicações econômicas, psicológicas de uma doutrina

A involução formativa do medievo aos nossos dias*

No tempo das universidades medievais, um jovem iniciava sua vida de estudos aos quatorze anos e um título de doutor em teologia era obtido somente a partir dos trinta e cinco anos. A base inicial dos estudos era o “trivium” – gramática, retórica e dialética – e, em seguida, o “quadrivium” – aritmética, geometria, música e astronomia – e de lá saíram grandes pensadores como Tomás de Aquino, Duns Scot, Alberto Magno, Pedro Abelardo e tantos outros. Hoje se entra cada vez mais cedo nas escolas e universidades, se adquire cada vez mais precocemente os títulos de mestrado e doutorado e o resultado das pesquisas sobre esse “fantástico mundo regido pelo MEC” é o número crescente de analfabetos funcionais, até entre nós universitários. Outro aspecto a ser destacado é que na Idade Média, a formação era para a vida e não havia “pressa” de concluí-la. Mas, hoje, no “auge do desenvolvimento”, no “século XXI”, na era “pós-moderna” etc., ai daquele que não é enviado à escola com,

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Não é a crítica que me quero referir, porque ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala. Repontar com isso seria, além de absurdo, indício de um grave desconhecimento da história literária, onde os gênios inovadores foram sempre, quando não tratados como doidos (como Verlaine e Mallarmé), tratados como parvos (como Wordsworth, Keats e Rossetti) ou como, além de parvos, inimigos da pátria, da religião e da moralidade, como aconteceu a Antero de Quental" "(...) Porque não é a teoria que faz o artista, mas o ter nascido artista" "Toda a arte é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer coisa. Há duas formas de dizer - falar e estar calado. As artes que não são a literatura são as projeções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é a literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama" "O princípio

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