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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz" "(...) o rosto que o espelho reflete é igualmente aquele que o contempla" "A identidade das coisas, o fato de que possam assemelhar-se a outras e aproximar-se delas, sem contudo se dissiparem, preservando sua singularidade, é o contrabalançar constante da simpatia e da antipatia (...)" "A linguagem não é um sistema arbitrário; está depositada no mundo e dele faz parte porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam seu enigma como uma linguagem e porque as palavras se propõem aos homens como coisas a decifrar" "(...) se a língua é uma ciência espontânea, obscura a si mesma e inábil - em contrapartida é aperfeiçoada pelos conhecimentos que não se podem depositar em suas palavras sem nelas deixar seu vestígio e como que o lugar vazio de seu conteúdo" "O que erige a palavra como palavra e a ergue acima dos

Dançar e Punir*

“E assim, à medida que o sol se punha, uma visão foi se impondo aos meus olhos.” Antonin Artaud Nas redes sociais as pessoas que gostam de legitimar a cultura do óbvio, da constatação, da quantidade, essas, emburreceram de vez. Jogam suas frustrações na falta de tempo para compreender a vida, naquilo que ela possa nos apresentar de novo, de desconhecido. A vida é o tempo de todas as coisas, o mais simples é o extremo, destruidor ou construtivo: arrasar ou adorar. É mais fácil primeiro adorar, depois, em outro sentido, destruir o pensamento contrário; sem se dar conta, pode-se estar cavando o próprio erro: o fim é o limite para o pensamento duro. O que vem a ser o pensamento duro, bruto? É o pensar dentro da construção cultural dual, em que existem os polos do bem e do mal. Essa religiosidade racional é parte da vida, é claro, não serei eu a refutar todas as manifestações pelo simples fato de pensar diferente. Eis a reflexão dos frágeis, pensar, refletir, o contra

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

(...) Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito. Eu pensava que fosse um sujeito escaleno. - Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse. Ele fez um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas… E se riu. Você não é de bugre? – ele continuou. Que sim, eu respondi. Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas - Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros. Há que apenas saber errar bem o seu idioma. Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de gramática. *Manoel de Barros

A lua e os sonhos*

Tremendo. Frio nos ossos. Entardecer róseo na alma. Fresta entre os dois mundos. O que está para além do horizonte? Vastidão do infinito. O que sempre foi e será. Mundo das possibilidades. Colcha de cristais e fios de seda. Olimpo inteiro. Planetas e Deuses. Naves espaciais e anjos. Realidades paralelas. Tremendo. Fogueira acesa. Ventos limpando arestas. Bacantes dançando à Dioniso. Lua nova plantando sonhos. Prenúncio de flores... Desejos renascendo do coração. Saturno despede da retrogradação. Todos respiram aliviados. Por enquanto, na casa do Centauro, Ele planeja uma faxina mais leve. A noite chega com céu estrelado O frio continua intenso. A fogueira esquenta a alma. E a lua nova traz fio de esperança. Para quem sabe e compreendeu! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica. Livre Pensadora. Juiz de Fora/JF

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Devo frisar que, desde sempre, o ato de pensamento esteve voltado para os que se fazem perguntas, e não para os que já têm as respostas" "O sentido para a pessoa é fornecido pela pluralidade das máscaras que a constituem, e pelo contexto no qual suas diversas máscaras poderão expressar-se" "O próprio do sonho é efetivamente escapar a uma lógica de controle de si mesmo" "As máscaras pós-modernas estão sob influência. Influência de coisas, de problemas ancestrais. Traduzem a força impessoal que, de forma subterrânea, vem de muito longe, e às vezes se exprime à luz do dia" "Nascer com o mundo sem passar pelas palavras, eis efetivamente o que parece estar em jogo em todas as práticas tribais e em seus excessos" "No caso, a adesão aos totens coletivos parece-me traduzir um (re)conhecimento de si como resultado de um devir. Todos estamos na estrada. A realidade é estruturalmente impermanente" "O gê

Filosofia Clínica: retomada do olhar filosófico*

 “Somente quando a estranheza do ente nos acossa, desperta e atrai ele a admiração. Somente baseado na admiração [...] surge o ‘porquê’. Somente porque é possível o porquê enquanto tal, podemos nos perguntar, de maneira determinada, pelas razões e fundamentar. Somente porque podemos perguntar e fundamentar foi entregue à nossa existência o destino do pesquisador.” (HEIDEGGER, Martin. O que é Metafísica?. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 242.) Hoje a filosofia acadêmica ensinada nas faculdades e universidades tende a ser uma grande assimilação dos conteúdos escritos dos pensadores que nos precederam. Heidegger nos advertia em suas obras sobre a possibilidade mais comum entre os homens, que é o de estar na inautenticidade. Esta consiste no olhar derivado do mundo, na perspectiva mais cotidiana, vivendo segundo o que “se diz”. Ao contrário da autenticidade, que se dava com o olhar mais voltado para o espanto e admiração diante do que nos rodeia ou constitui

Ismália*

Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar… Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar… Queria subir ao céu, Queria descer ao mar… E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar… Estava perto do céu, Estava longe do mar… E como um anjo pendeu As asas para voar… Queria a lua do céu, Queria a lua do mar… As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par… Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar… *Alphonsus de Guimaraens

A palavra reminiscência*

As narrativas da historicidade, ao reviver antigas memórias, atualizam uma retórica das evidências. Assim é possível a reinvenção pessoal na própria história. Sua matéria-prima, ao mesclar-se com os dias de hoje, é capaz de novas interseções na estrutura de pensamento. Essa intencionalidade discursiva emancipa periferias de si mesma. Ao rememorar eventos, esses já são outros eventos. As novas ideias e vivências, ainda na perspectiva subjetiva, podem modificar a malha intelectiva. Esse movimento permite a contemplação e qualificação do ser singular na alternância dos endereços existenciais. É comum que as antigas referências de lugar, tempo e circunstância apresentem, ao olhar de agora, um território de estranheza, o qual, ao transbordar, traduz-se como ressignificação. A reapresentação dos dados da memória atualiza o discurso pessoal para sobreviver. A aptidão de rememorar, ao transportar e modificar suas representações, esboça uma estética para decifrar incógnitas. Su

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Uma intuição não se prova, se vivencia" "O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas" "Como realidade, só existe uma: o instante. Duração, hábito e progresso são apenas agrupamentos de instantes, são os mais simples dos fenômenos do tempo" "(...) Mas, por firmes que sejamos, jamais nos conservamos inteiros, porque nunca fomos conscientes de todo o nosso ser"  "Para as concepções estatísticas do tempo, o intervalo entre dois instantes é apenas um intervalo de probabilidade; quanto mais seu nada se alonga, maior é a chance de que um instante venha terminá-lo" "(...) leva em conta não apenas os fatos, mas também, e sobretudo, as ilusões - o que, psicologicamente falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do espírito é ilusão antes de ser pensamento" "Mas a função do Filósofo não será a de deformar o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrat

Desfabricar*

“[...] mas só porque tínhamos de nos cingir aos fatos não queria dizer que devíamos deixar de pensar ou não era permitido usarmos a nossa imaginação...” Paul Auster A verdade é que quando escrevemos, digo, escrevo no impulso. A razão nunca abandonou-me, exceto no momento em que tenha perdido totalmente a fé na lei sonhada pelos homens, regida por uma onipotência, vontade acima dos homens, exceto, diante da razão traiçoeira. A razão ou fé, pensei: a luz no fim do túnel, é a única que me engana [...]  Andei pensando em fazer uma saída do Rio Grande do sul, ou seja, esquecer por lapso de tempo não compreendido, levar a bandeira da vitória ou da derrota, pior, achar que se é na identidade que a alma deva ser reconfortada...Me perco, estou à deriva. Os braços avançam pretensamente à margem do nunca encontrado outro lado da paz. Um rio tem sua extensão de medo e finitude. A existência requer mais do que braços longos e ágeis, precisa ter técnica, unidade e fragmento a cortar o

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) temos de descobrir a linguagem, como estamos descobrindo o espaço; o nossos século será, talvez, marcado por essas duas explorações" "(...) os desvios (com relação a um código, a uma gramática, a uma norma) são sempre manifestações de escritura: onde se transgride a norma, aparece a escritura como excesso, já que assume uma linguagem que não estava prevista" "O escritor está condenado a trabalhar sobre signos, para variá-los, desabrochá-los, não para deflorá-los: a sua forma é a metáfora, não a definição" "Repetir o exercício (ler várias vezes o texto) é liberar pouco a pouco os seus 'suplementos'" "De todas as matérias da obra, só a escritura, com efeito, pode dividir-se sem deixar de ser total: um fragmento de escritura é sempre uma essência de escritura. Eis por que, quer se queira quer não, todo fragmento é acabado, a partir do momento em que é escrito" "(...) a escritura começa onde a fa

Problemas de casamento*

Aconteceu com meu pai, e só fui saber agora, dois anos depois do seu falecimento. Certa vez uma noiva ao entrar na igreja, desencadeou uma crise de falta de ar tão intensa, que precisou ser levada ao hospital. Foi atendida por meu pai, especialista em asma e alergia, porém não conseguiu se recuperar a tempo de retornar à cerimônia. Infelizmente o casamento teve que ser cancelado. Convidados e familiares ansiosos, constrangidos e preocupados aguardaram na igreja até receberem a noticia de que a noiva passava bem e remarcaria uma nova data para o evento. Imaginem a situação do noivo. Passada a crise, Anita, a noiva, iniciou um tratamento medicamentoso a base de vacinas dessensibilizantes e, concomitantemente, uma terapia de apoio, pois ataques de asma podem ser provocados por abalos emocionais. Combinaram que a data do matrimônio seria marcada quando médico, psicólogo e noivos estivessem tranqüilos de que aquela cena não mais se repetiria. Três meses depois, Anita casou sem

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