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Canção*

No desequilíbrio dos mares, as proas giram sozinhas… Numa das naves que afundaram é que certamente tu vinhas. Eu te esperei todos os séculos sem desespero e sem desgosto, e morri de infinitas mortes guardando sempre o mesmo rosto Quando as ondas te carregaram meu olhos, entre águas e areias, cegaram como os das estátuas, a tudo quanto existe alheias. Minhas mãos pararam sobre o ar e endureceram junto ao vento, e perderam a cor que tinham e a lembrança do movimento. E o sorriso que eu te levava desprendeu-se e caiu de mim: e só talvez ele ainda viva dentro destas águas sem fim. *Cecília Meireles

Caminhando por aí*

Toda mudança é uma caminhada mutante e sem garantia de volta, pouco importando se os passos foram sutis ou escandalosos. Porque toda mudança é um desafio que no começo instiga e oferece novidades. Mas é quando decidimos prosseguir que quase sempre no meio do caminho tudo vai ficando confuso e assustadoramente incerto demais. É quando está em nossas mãos o poder de escolher optar pela persistência ou pela desistência. E quem desiste se conforta, se acomoda e se conforma com a escolha de julgar a si próprio um incapaz. Já quem persiste, se supera a cada passo até perceber que, de repente, as dúvidas vão passando e tudo vai se clareando até que nos percebemos e nos encontramos melhor do que outrora éramos, antes de partir. A verdade é que estamos sempre mudando e sempre é sem volta, uma vez que mesmo persistindo ou desistindo nunca voltamos a ser os mesmos, nunca voltamos a condição anterior. Enfim, toda mudança - seja aquela que nos torna mais fortes ou mais fracos,

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) de que modo a arte de todos os tempos aparece como provocação de experiências propositadamente incompletas, interrompidas de chofre para suscitar, graças a uma expectativa frustrada, nossa tendência natural ao complemento" "Ordem e desordem são conceitos relativos; somos ordenados em relação a uma desordem anterior e desordenados em relação a uma ordem posterior, exatamente como somos jovens em relação a nosso pai e velhos em relação a nosso filho, libertinos em relação a um sistema de regras morais e moralistas em relação a outro mais dúctil" "Das estruturas que se movem àquelas em que nós nos movemos, as poéticas contemporâneas nos propõem uma gama de formas que apelam à mobilidade das perspectivas, à multíplice variedade das interpretações. Mas vimos também que nenhuma obra de arte é realmente 'fechada', pois cada uma delas congloba, em sua definitude exterior, uma infinidade de 'leituras' possíveis" "(...) u

Uma metafísica dos refúgios*

“Deram-me um corpo, só um! Para suportar calado, tantas almas desunidas, que esbarram umas nas outras.”                              Murilo Mendes Um íntimo estranhamento chega á superfície na forma de dizer desencontrado. O gesto inseguro, a voz trêmula, a lágrima bailarina, parecem traduzir a indefinição em curso dentro de si. Em nuanças de antigas vivências, a linguagem faz voltar o que parecia esquecido.    Ao descrever invisibilidades seu olhar insinua um caminho às mil mensagens interditas. A contenção física não fora capaz de desarrumar o caos precursor, aliás, amarrar o corpo serviu para liberar a alma. O espanto inicial multiplica os acessos a essa nascente. Através das miragens, franjas e detalhes quase imperceptíveis, se descreve num parágrafo maldito. O movimento especulativo se disfarça de realidade para insinuar segredos. Demonstra-se em trajetos pelos labirintos de si mesmo. Assim uma alma exilada em um corpo refém, transcreve um sonho acordando. A

O livro sobre nada*

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez. Tudo que não invento é falso. Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira. Tem mais presença em mim o que me falta. Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário. Sou muito preparado de conflitos. Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou. O meu amanhecer vai ser de noite. Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção. O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo. Meu avesso é mais visível do que um poste. Sábio é o que adivinha. Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições. A inércia é meu ato principal. Não saio de dentro de mim nem pra pescar. Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore. Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma. Peixe não tem honras nem horizontes. Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; m

Imagens do Pensar*

  "O imaginário e o real tornam-se indiscerníveis.” Gilles Deleuze “Quando tudo foi dito, quando a cena maior parece terminada, há o que vem depois.” Michelangelo Antonioni Minha, a letra que vem do pensamento, A roupa, visto ‒ a música, sinto na pele. Transfiguro em tua boca, triste é viver neste buraco, A solidão é o começo da liberdade, me faz cantarolar, Acordar noturno é o começo do tempo que se despede. A narrativa em filigranas discorre no tempo, Folhas perdem a força, sequência do pensar disperso, O presente está depois da imagem, em signos, na nuvem. O movimento é de Antonioni, reúne os tempos, O vazio mescla com o tempo morto. O que está aí, feito está. O que foi dito, está aqui. Presa do tempo, o homem, inventa o que vem depois, O Imaginário e o Real é o café da manhã à linguagem da vida. O mundo é feito não mais de heróis, os excessos perderam para os subjetivos obsedantes das Redes. *Prof. Dr. Luis Antonio Paim Gom

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