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Auto de fé da resistência*

“Assim se explica que até nossos dias acreditem mais firmemente na existência de uma cor quimérica do que na de Deus.” Elias Canetti Canetti, nasceu na Bulgária, judeu de origem serfadita, a língua materna espanhola, teve sua formação em mais de um lugar, circulou pela Inglaterra, depois Viena e adotou o alemão para escrever. Com doutorado em Química, a escrita literária nunca foi deixada de lado, tornou-se um estudioso da psicologia. Como Otto Maria Carpeaux[1] escreveu: “Precisava-se, aliás, de um esforço de reportagem literária para identificar a personalidade desse autor esquivo.”  O romance que ofuscou os nazistas, que foi destruído na época da cegueira humana, Die Blendun – que ganhou em inglês o título Auto de Fé –, abriu meus sentidos nos anos 1980. Ainda hoje, volta e meia retorno a ele, o inesperado surge nas leituras e no que separa o leitor de uma grande obra. Logo uma obra que tem o personagem que se afunda em sua erudição, na incompletude do mundo, no que o

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) a estupidez humana é grande, e a bondade humana não é notável" "Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as coisas como verdadeiramente são - como são para os outros" "Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas (...) Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço" "(...) ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala" "Era eu um poeta estimulado pela filosofia e não um filósofo com faculdades poéticas. Gostava de admirar a beleza das coisas, descobrir no imperceptível, através do diminuto, a alma poética do universo" "Toda obra fala por si, com a voz que lhe é própria, e naquela ling

Respostas?*

Vivo a vida repleto de perguntas. Tudo é questionável, desde as coisas mais inacessíveis até as cotidianas mais banais. Gostaria, se possível, de todas as respostas. Mas, não as encontro. Quando penso nas respostas, não me refiro às diversas criadas para nos consolar com alívios. Essas encontramos aos montes. As ciências, as psicologias, as filosofias, as religiões, todas estão aí a nos proporcionar respostas para quase todas as nossas perguntas. Entretanto, o limite dessas respostas está explícito nos regionalismos. Verdades, valores, conhecimentos são todos restritos a um grupo, contexto cultural e histórico, dentre outros limites. Não há uma só resposta que valha para todas as perguntas. Acho que se houvesse, facilmente poderia ser partilhada por todos, haja vista que é uma busca que, se não geral, pelo menos se encontra num grande número de pessoas. Suspeito que a grande vitória da filosofia foi postular seus limites e contingências, mesmo depois de grandes sistemas

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"O pensamento só é interessante quando é perigoso. Perigoso para a opinião consagrada e ronronante que serve de fundamento a todos esses 'pareceres especialistas' em que se refestela o poder" "São cada vez mais numerosos os que nada têm a dizer e o dizem em voz alta" "Num momento em que predomina o nomadismo existencial, a divagação intelectual deve oferecer resposta, como num eco. Antes a pergunta que a solução. A precaução, supostamente científica, deve dar lugar à audácia das ideias" "Já não se trata de ser um adulto sério e tensionado para a perfeição de um 'estado' estável, mas, pelo contrário, uma eterna criança, sempre em devir e ávida pelo que se apresenta" "O sentido para a pessoa é fornecido pela pluralidade das máscaras que a constituem, e pelo contexto no qual suas diversas máscaras poderão expressar-se" "(...) Essa polissemia repousa no fato de que o arquétipo é 'pré-substan

Domingar*

Domingar, cozinhar e meditar. Conjunção poética do existir em sintonia. Não me tirem de casa no domingo. Depois da semana toda no trabalho o domingo, para mim, é o momento de contemplar as delícias do viver. Admirar as plantas, cuidar da casa, tomar café com calma lendo o jornal e na cozinha meditar e refletir no silêncio. O picar os legumes e verduras, sem pressa. O afogar a cebola e alho sentindo o aroma ressaltar em festa. Preparar o prato para ser degustado por todos acende a alma. Coisas simples fazem a diferença. Domingar em meditação, percepcionando cada detalhe, cada sabor, perfume na entrega descompromissada, sem relógio nem obrigações é puro gozo. A criatividade brota serena e o tempo passa devagarinho. Depois a taça de vinho e o gozo da comida feita com amor. O soninho da tarde, a leitura na poltrona gostosa, o filme no final da noite. Tudo compartilhado com carinho e ternura. Quando a alma está quieta tudo se torna um poemar. *Dra. Ro

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) os amigos da humanidade e da perfectibilidade que acreditam que o ser humano almeja a felicidade e a vantagem, quando na verdade ele também anseia por sofrimento, essa única fonte de conhecimento, e não deseja o palácio de cristal e o formigueiro da perfeição social, jamais abrindo mão da destruição e do caos" "Finalmente, há ainda coisas que o homem tem vergonha de revelar a si mesmo, e cada indivíduo vai colecionando uma quantidade bastante grande dessas coisas. Sim, podemos até dizer que, quanto mais correta for uma pessoa, maior será o número dessas coisas" "(...) certas conquistas da alma e do conhecimento não podem existir sem a doença, a loucura, o crime intelectual" "(...) a obra do gênio doente, elevando, prosseguindo, transformando, legando-a para a cultura que não vive apenas do pão ordinário da saúde"  "(...) aquilo que resulta da doença é mais importante e estimulante para a vida e sua evolução do que

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