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A palavra Kafka*




Um pretexto de múltiplas faces se apresenta no dialeto Kafka. Seu dizer multifacetado insinua labirintos, deslizes narrativos, frestas à uma admissão do improvável. Num anteparo de aspecto suspenso no ar, estórias mal contadas adicionam possibilidades ao termo definitivo. 

Nesse imenso labirinto, uma lógica da descontinuidade aprecia levar todas as coisas ao limite de suas possibilidades. Ameaçam o território já conquistado, contradizem as verdades consentidas. Ela pode surgir em vielas inesperadas ou nos deslocamentos pelo cotidiano esconderijo. Parece querer dizer sobre a essência da liberdade ser incompletude, distorção, invenção, caminhos abertos.   

Seu convite para acessar esse mundo de escassas fronteiras permanece. Nele o espectador de uma terra estranha se reconhece. Os roteiros imprevisíveis embalam ideias complexas. A irrealidade pode surgir como ameaça e seus cenários, ao se alternar, visualizam Kafka como um dos nomes da transubstância. São as releituras da leitura que desvendam, no leitor, os inéditos que passaram despercebidos da outra vez. Interseção com um desses lugares onde o excesso de estabilidade desestabiliza. 

Em seu teor discursivo algo mais se anuncia. As dúvidas, incertezas, arrependimentos vão ficando pelo caminho a constituir mosaicos, por onde outros irão passar com seus impróprios passos. Pode ser o paradoxo da frase contrariada a reinventar sentidos, a palavra a desconcertar cenários. A indiferença das paredes contrasta com o acolhimento da estrada, vai descobrindo a íntima relação desse estrangeiro diante de si, mais um Kafka exilado no embassamento do olhar.   

Nesse chão de impropriedades se alojam eventos sem nome. Sua característica parece ser a liberdade multiplicada nos deslocamentos. Nessa efetividade das alternâncias, quando a fantasia se mescla ao cotidiano sensorial, castelos, labirintos e outras visitas do inesperado, deixam entrever uma lógica inquieta. 

Assim vestido com a roupagem do instante, Kafka parece perseguir a si mesmo nos outros. Quem sabe um refém do próprio espelho invertido, auto-retrato desatualizado. Um pouco antes do êxtase da descoberta, refere uma filosofia nascente, atualiza o tanto que ainda falta saber. Kafka como um explorador de labirintos, desdobra-se nas miragens de um castelo. 

Menção sobre a intencionalidade do agora partindo para superar muros. Tentativas de descrever o absurdo nos desvãos da escassa visibilidade. A palavra Kafka revela uma aptidão de espanto, inconformidade, por onde tenta capturar-se nalgum ponto dos seus movimentos. Talvez seja o próprio percurso, ele mesmo a rascunhar-se. 

Hélio Strassburger

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