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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"Mudar o nível de percepção: trata-se de um choque que abala o mundo classificado, o mundo nomeado (o mundo reconhecido) e, por conseguinte, libera uma verdadeira energia alucinatória. Na verdade, se a arte (mantemos esse nome cômodo, para designar toda atividade não funcional) tivesse o único objetivo - fazer ver melhor -, seria apenas uma técnica de análise, um ersatz de ciência (foi a pretensão da arte realista); mas, ao tentar produzir a outra coisa que está na coisa, subverte toda uma epistemológica: a arte é esse trabalho ilimitado que nos libera de uma hierarquia corrente (...)"

"Tomemos um objeto usual: não é seu estado de novo, virgem, que melhor traduz sua essência; é mais bem seu estado de resíduo, um pouco desgastado, um pouco abandonado: é no resíduo que se lê a verdade das coisas. É no seu rastro que está a verdade do vermelho; é na tênue marca de um traço que está a verdade do lápis"

"O sentido óbvio é temático: existe um tema , o sentido obtuso aparece e desaparece, é seu único movimento; esse jogo de presença/ausência desintegra o personagem, reduzido a um simples conjunto de facetas"

"É evidente que o sentido obtuso é a própria contra narrativa (...)"

"(...) não colaboram para que minha leitura resvale ? Um ângulo obtuso é maior do que um ângulo reto: ângulo obtuso de 100 graus, diz o dicionário: também o terceiro sentido parece-me maior do que a perpendicular pura, reta, cortante, legal, da narrativa: parece-me que o terceiro sentido abre o campo do sentido totalmente, isto é, infinitamente (...)"

"(...) o sentido obtuso parece desdobrar suas asas fora da cultura, do saber, da informação; analiticamente, tem algo de irrisório; porque leva ao infinito da linguagem, poderá parecer limitado à observação da razão analítica; pertence à classe dos trocadilhos, das pilhérias, das despesas inúteis. indiferente às categorias morais ou estéticas (o trivial, o fútil, o postiço e o pastiche), enquadra-se na categoria do carnaval"

"Há, em cada pessoa, uma pluralidade, uma coexistência de léxicos; o número e a identidade desses léxicos formam o idioleto de cada um" 

*Roland Barthes in "O óbvio e o obtuso". Ed. Nova Fronteira. RJ. 1990. 

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