Quando você for à bela cidade de Dourados, interior do Mato Grosso do Sul, observe que ela não possui subidas e descidas. Tudo é plano, tudo é povoado de planícies, poucos prédios, bicicletas por todo lado, árvores.
Caso comprasse algum patinete
para transitar pela região, provavelmente não seria necessário que tivesse um
daqueles freios de mão. Para quê? Em lugares assim, a gravidade é o melhor e o
mais suave freio ao embalo macio que traciona as rodinhas delicadas do
patinete.
No entanto, há modelos importados
que já trazem o freio, modulado por um cabo, que naturalmente faz parecer
necessária esta peça acoplada ao veículo. Acredito que alguns ficariam
surpresos se soubessem que um patinete não precisa de freios. Talvez não
comprassem, talvez devolvessem achando que tivesse um defeito.
Lembro disso quando encontro
seguidamente no consultório pessoas cujas construções semânticas, sintáticas,
gramaticais trazem freios embutidos que não são necessários por aquilo que elas
estão a viver.
Exemplo: há pessoas que colocam a
proposição “eu quero estar bem” seguida de uma vírgula, que serve para
respirar, e então acoplam um freio como “mas, porém, todavia, no entanto eu sei
que isso é difícil, é árduo, é distante, é demorado, etc.”.
Neste exemplo, o freio pouco tem a
ver com o que se passa na vida da pessoa. Ele está ali porque veio com o
patinete e porque levou a pessoa a acreditar que necessita usá-lo, afinal, ele
é parte do que ocorre. Não sabe que não precisa dele.
Curiosamente, é o próprio desejar
estar bem que leva imediatamente no seio o antagonismo de si mesmo. Ao querer,
a pessoa já leva embutido o que lhe faz sofrer, desistir, perder, este querer.
Os freios lingüísticos encontram
parentesco em outros freios, como os freios sensoriais, afetivos, epistemológicos,
éticos. Há inúmeras semelhanças entre eles.
Imagine um guri que aos 6 anos
estava brincando com uma menina. Ele examinava com interesse a parte de cima
das pernas dela. A mãe dele avista a brincadeira lá de onde estende a roupa no
varal; apanha uma varinha de marmelo, aplica uma varada no gurizinho e o manda
para dentro de casa.
A malha intelectiva de uma
pessoa, se estiver várias vezes em situações como esta, pode tomar como lição,
já que não houve explicação a respeito do motivo do castigo, que é errado
sentir vontades ligadas ao prazer.
É assim que, aos 20 anos de
idade, quando uma garota convidar o rapaz para dançar, ele pode aceitar com
alegria e imediatamente vivenciar algo desagradável como uma dor de cabeça ou
medo.
Esse tipo de freio sensorial é muito comum.
*Lúcio Packter
Pensador da Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS
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