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O menino que escrevia versos*

"De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem? De que vale acordar se o que vivo é menos do que o que sonhei? (VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)" — Ele escreve versos! Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha. — Há antecedentes na família? — Desculpe doutor? O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias: — Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol. Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período d

E se...*

             E se um dia você acordasse e tudo a sua volta tivesse mudado? Se todas as coisas tivessem mudado de lugar? Se as árvores já não crescessem do mesmo jeito? Se as pessoas comessem coisas diferentes e de modo totalmente distinto do qual você havia se habituado a ver? Se todo constructo educacional prévio, tivesse se tornado obsoleto e outro modo houvesse se consolidado sem que você tivesse se dado conta antes? Se o mundo que você conhecia antes, já não fosse, em nada, parecido com o que você acaba de se deparar ao acordar?             E se você resolvesse levantar de sua cama, no desconserto das novas perspectivas, e resolvesse se aventurar nessas novidades? Se resolvesse comparar menos as coisas que vê agora com as que antes havia se habituado? Se, então, se permitisse tocar as coisas de forma única, nova? Se, semelhante a uma criança, se permitisse o maravilhar-se ante tudo o que nunca viu? Se deixasse com que as coisas que causassem alegr

O cântico da terra*

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor. Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço. Sou a razão de tua vida. De mim vieste pela mão do Criador, e a mim tu voltarás no fim da lida. Só em mim acharás descanso e Paz. Eu sou a grande Mãe Universal. Tua filha, tua noiva e desposada. A mulher e o ventre que fecundas. Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor. A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu. Teu arado, tua foice, teu machado. O berço pequenino de teu filho. O algodão de tua veste e o pão de tua casa. E um dia bem distante a mim tu voltarás. E no canteiro materno de meu seio tranqüilo dormirás. Plantemos a roça. Lavremos a gleba. Cuidemo

Modelo Mental*

Kant, filósofo alemão, diz que o homem tem um esquema mental que o permite reconhecer e agrupar as coisas de acordo com suas categorias. Para ele as categorias já estão em nós, ou seja, é uma característica inata do ser humano, aspecto que a Filosofia Clínica discorda. Outro filósofo, chamado de Arthur Schopenhauer, diz que o mundo é de acordo com minha representação, ou seja, existe um mundo diferente para cada pessoa. Unindo as ideias destes dois grandes pensadores pode-se dizer então que para cada um o mundo é vivido de maneira diferente e ainda que cada um tem um modelo mental através do qual percebe e classifica o mundo que está a sua volta. Desse modo, alguns modelos mentais permitem que algumas pessoas andem pela cidade e percebam certas coisas, como carros, pessoas, estradas, prédios, mas não lhe permitem ver as flores, os pássaros, os cachorros, a grama verde. Agora, imagine que você gerencie uma organização. Nela, de acordo com o seu modelo mental que orienta a sua r

Tréguas*

Neste momento não sou mais o guerreiro. Escudo no chão, espada ao alto, o clamor é pela glória do que em si é superior a nós, egos tortos, e inominável. Por isso mesmo, sem definições. O ser é. O que não é ser... Um Deus antropomórfico a agradar vaidades e dizem d’Ele fiel, generoso e bom cumpridor de promessas. Rompida a farsa sua comunicação virá por assombros e flashes raros de intuição. Apaziguando corpo e mente o silêncio domina e nele a Sua essência se faz. *Vânia Dantas Filósofa Clinica Brasília/DF

Leitura e Escrita*

A leitura, é de facto, em meu entender, imprescindível: primeiro, para me não dar por satisfeito só com as minhas obras, segundo, para, ao informar-me dos problemas investigados pelos outros, poder ajuizar das descobertas já feitas e conjecturar as que ainda há por fazer. A leitura alimenta a inteligência e retempera-a das fadigas do estudo, sem, contudo, pôr de lado o estudo. Não deve­mos limitar-nos nem só à escrita, nem só à leitura: uma diminui-nos as forças, esgota-nos (estou-me referindo ao trabalho da escrita), a outra amolece-nos e embota-nos a energia. Devemos alternar ambas as actividades, equilibrá­-las, para que a pena venha a dar forma às ideias coligidas das leituras. Como soe dizer-se, devemos imitar as abelhas que deambulam pelas flores, escolhendo as mais apropriadas ao fabrico do mel e depois trabalham o material recolhido, distribuem-no pelos favos e, nas palavras do nosso Vergilio, o líquido mel acumulam, e fazem inchar os alvéolos de doce néctar. (...)

Em busca de um milagre. Dica de um jovem filósofo para se resistir à tentação de ser santo*

Vamos admitir: não somos mais do que nos fizemos com nossas próprias escolhas, quase sempre substituindo o esforço da esperança pelo seu inverso, acostumando-nos a tomar por verdadeiro que já somos o que ainda esperamos realizar. Como sempre houve muitas pequeninas e importantes coisas para serem feitas na concretização dos nossos sonhos, todo aquele que espera nunca alcança. Há quem diga ter fé sem nunca haver sentido esperança. A primeira é uma certeza absoluta, uma consciência quite consigo mesma, que se satisfez com alegria em haver entregue tudo de si, permitindo suportar todo sacrifício do mundo, pois já se encontra confiante que Deus lhe aceitou no reino dos céus. Ter fé em Deus, na concepção cristã, não significa crer que Ele nos livrará das dores e desafios. Nunca poupou nenhum santo. Ao contrário, ter fé é aceitar de bom grado a cruz dos próprios pecados ou erros e perdoar-se responsavelmente, assumindo as conseqüências com a cabeça erguida e doçu

Fragmentos de poesia, filosofia, vida*

"Não nascemos livres: a liberdade é uma conquista - e mais: uma invenção"   "A palavra é a amante e o amigo do poeta, seu pai e sua mãe, seu deus e seu diabo, seu martelo e sua almofada. Também é seu inimigo: seu espelho"   "Cada poema é único. Em cada obra lateja, com maior ou menor intensidade, toda a poesia. Portanto, a leitura de um só poema nos revelará, com maior  certeza do que qualquer investigação histórica ou filológica, o que é a poesia " "A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade" *Octávio Paz

Apontamentos de lógica superlativa*

Existe um mundo exageradamente singular. O lugar constitui-se de eventos descritos por um vocabulário de exuberâncias. Uma estrutura onde tudo se agiganta diante das expressões de êxtase. Sua sobrevida se alimenta de anúncios dos eventos realçados. Seu teor fantástico expressa rumores de imensidão. Seu ser extraordinário transborda numa perspectiva exaltada. Nas entrelinhas do discurso bem ajustado essa lógica dos excessos busca emancipar-se. Um devir assim aprecia o refúgio numa dialética dos sobressaltos. Ao sujeito constituído nalguma forma de esteticidade, não é raro o olhar da tradição prescrever-lhe alguma tipologia, enquadrando-o como desajustado. Ao surgir numa intensidade máxima contrapõe-se a rotina mediana. Seu dizer superlativo emancipa o cotidiano para engendrar sonhos, arremessar possibilidades. Os relatos dessa linguagem sugere um brilho incomparável ao seu autor. Desdobrando-se para além dos territórios conhecidos, modifica recriando o lugar_espaço_tempo ao seu re

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