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A que bebeu poesia*

A louca que passa Deixou na vidraça Um olhar que no fundo Tem muita desgraça. Será minha mãe A pobre da louca Que nada mais tendo Conserva a ternura? Será minha noiva Que louca ficou Depois que parti No barco da guerra? Será minha filha A louca do bairro Que a vida judiou Depois que morri?                   Ou foi a poesia Que a louca bebeu Que lhe deu esse ar De ser doutro mundo? *Prado Veppo.

Fragmentos de Poesia e Vida*

Não me prendo escrevo sem rima e sem métrica vou sentindo no papel virtual teclando expiro sensações retalhos e fragmentos de sonhos e desejos deixo de lado sem medo normas e regras e me lanço no espaço da tela vazia faço e desfaço das linhas coloco meu porvir e devir sou poeta corre em minhas veias sons que surgem da alma e gritam para se atirar no mundo e se libertar da forma que me limita e escraviza! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, escritora das Academias de Letras de Juiz de Fora/MG e Cabo Frio/RJ, Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Os buracos do espelho*

o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar aqui com um olho aberto, outro acordado no lado de lá onde eu caí pro lado de cá não tem acesso mesmo que me chamem pelo nome mesmo que admitam meu regresso toda vez que eu vou a porta some a janela some na parede a palavra de água se dissolve na palavra sede, a boca cede antes de falar, e não se ouve já tentei dormir a noite inteira quatro, cinco, seis da madrugada vou ficar ali nessa cadeira uma orelha alerta, outra ligada o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar agora fui pelo abandono abandonado aqui dentro do lado de fora *Arnaldo Antunes

Residência*

Para que partir se meu lugar contém todos os lugares? O que está longe não existe e em todo lugar é a mesma dor. Inútil partir, viajar, desesperar... Toda geografia é interior. *Hildeberto Barbosa Filho

A palavra mundo*

"As palavras são instrumentos de atos úteis, de modo que nomear o real é cobri-lo, velá-lo com familiaridades. (...) Para rasgar os véus e trocar a quietude opaca do saber pelo espanto do não-saber é preciso um 'holocausto das palavras'."                                   Jean-Paul Sartre Uma poética se anuncia num esboço de captura às múltiplas verdades. Nesse horizonte nem sempre coerente, a pessoa encontra um chão para integrar-se e experienciar suas possibilidades existenciais.   Ao ser a visão de mundo inseparável da subjetividade que a oferece, as formas da expressividade tentam obter o maior ângulo possível. Nela o teor dos termos agendados denuncia até onde se pode chegar. Um pouco antes dos movimentos de rebeldia, a linguagem, em vias de se ultrapassar, costuma emitir dissonâncias. Uma dessas características é o excesso de equívocidades discursivas, as quais, nem sempre se traduzem ao dicionário conhecido. O sentido de ser sem sentido surge como af

Descartes e a Filosofia Clínica*

Descartes foi um filósofo francês da modernidade. Segundo os estudos de historiadores da filosofia, foi ele quem inaugurou esse período. Mas que tem isso a ver com a Filosofia Clínica que é totalmente contemporânea? Um dos métodos estabelecidos por Lúcio Packter para a clínica propriamente dita é a epoké cética por parte do Filósofo Clínico. A suspensão dos juízos (epoké) é o que garante a subjetividade da construção de mundo do Partilhante e o que possibilita uma clínica bem sucedida. Descartes se vale desse método para encontrar sua primeira verdade indubitável: penso, logo existo. Na Filosofia, chamamos o método cartesiano de “dúvida hiperbólica”, porque ele duvida de TODO o conhecimento por ele adquirido durante toda sua vida. Em Clínica, não duvidamos do conhecimento por nós adquirido. Pelo contrário, temos que tê-los sempre em nosso auxílio. Porém, nos utilizamos da suspensão dos nossos juízos para entendermos a Representação (Schopenhauer) dos nossos Partilhantes. É a p

Quem é o cara?*

A motivação primeira de quem faz um curso ou oficina de criação textual é muito simples: o intuito é o de averiguar a real qualidade dos escritos que talvez há muito tempo o nosso iniciante venha fazendo em segredo e com certa vergonha, como se cagara, para lembrar a metáfora de João Cabral de Melo Neto. Esse ímpeto é mais poderoso do que, por exemplo, ampliar os conhecimentos sobre a arte da poesia. Enfim, a maioria quer saber se têm jeito pra coisa. Se o que escreve presta ou não. Infelizmente, não há resposta cabal para essa angústia. Primeiro porque, como afirma W. H. Auden, o percurso textual do verdadeiro artista denuncia um progressivo senso de dúvida. Isto é, quanto mais experiência ele adquire mais incerto o nosso herói se sente com relação à qualidade e ao alcance do seu trabalho. Mesmo a palavra do “ministrante” (expressão terrível), não será inteiramente de confiança.  Muitos autores consagrados falharam na avaliação de sujeitos que iniciavam suas carreiras

Não deixe sua menina ir embora*

Os amores são diferentes e são necessários, mas escolher viver só, com a sua companhia, é um direito seu. Viver só, sem o amor de um homem, não faz parte dos seus planos de vida? Não tem nada de errado nisto, nascemos homem e mulher côncavo e convexo para formarmos par. Ajusta-se aqui, recorta-se ali e um dia encaixamos. Acontece frequentemente. Muitas mulheres depositam na relação com um homem, toda a sua perspectiva de felicidade. – O outro deve me fazer feliz. – Acontece com os homens também, aliás, até muito mais com eles, entretanto, a capacidade deles em disfarçar melhor esta necessidade é algo de se tirar o chapéu. Cuidar da própria vida pode ser um bom caminho para a convivência. Acredito de verdade que é aí que os casais erram. Um quer cuidar da vida do outro e nenhum quer se cuidar para o outro e assim manter o encantamento. No sexo, onde de verdade o amor se manifesta, onde a expressão do desejo confirma a vontade de permanecer ao lado da pessoa amada indepe

Conversar*

Em um poema leio: conversar é divino. Porém os deuses não falam: fazem, desfazem mundos enquanto falam os homens. Os deuses, sem palavras, jogam jogos terríveis. O espírito desce e desata as línguas porém não pronuncia palavras: diz fogo. A linguagem, pelo deus incandescida, é uma profecia de chamas e um colapso de sílabas calcinadas: cinzas sem sentido. A palavra no homem é filha da morte. Falamos porque somos mortais: as palavras não são signos, são anos. Ao dizer o que dizem os nomes que dizemos dizem tempo: nos dizem, somos nomes do tempo. Conversar é humano. *Octávio Paz

Poéticas do existir*

Bate o silenciar Quietude da vastidão Gravidez do espirito Bate o recolhimento Quietude criativa Gravidez da alma Grávida quietude bate Talvez a espera do porvir Efêmera fresta no limite A fim de parir o indizível E, encontrar o amoral Nas entrelinhas do existir! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Escritora, Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Convite a viagem*

Existe um país soberbo, um país idílico, dizem, chamado Cocagne que eu sonho visitar com uma velha amiga. País singular, nascido nas brumas de nosso Norte e que poderia se chamar o Oriente do Ocidente, a China da Europa, tanto pela sua calorosa e caprichosa fantasia quanto por ela, paciente e persistentemente ser ilustrada por sábias e delicadas vegetações. Um verdadeiro país de Cocagne, onde tudo é belo, rico, tranqüilo, honesto; onde o luxo se compraz em se ver em ordem, ou a vida é livre e doce de se respirar; de onde a desordem, a turbulência e o imprevisto são excluídos; onde a bondade está casada com o silêncio; onde a própria cozinha é poética, rica e excitante ao mesmo tempo; onde tudo se parece contigo, meu anjo. Conheces essa doença febricitante que se apossa de nós nas gélidas misérias, essa nostalgia de um país que ignoramos, essa angústia vinda da curiosidade? É um lugar que se parece contigo, onde tudo é belo, rico, tranqüilo, honesto; onde a fantasia constru

A palavra vertigem*

"O idioma está sempre em movimento, mas o homem, por ocupar o centro do redemoinho, poucas vezes percebe essa mudança incessante."                                          Octávio Paz Um ser irreconhecível se desdobra na expressividade fugaz. Seu aspecto de invasor ameaça o saber encastelado, seu ritmo alucinado de vivências subjetivas re_apresenta um devir quase esquecido. Ao pensar o impensável realiza uma excursão pela partícula de infinito desconsiderada. Sua ótica de incerteza desconstrói o mundo de uma só verdade.   Os sons murmurados nas entrelinhas apresentam o instante entre um e outro. Sua lógica de estorvo e o caráter de percepção excessiva denuncia espaços, alarga escutas, vislumbra imaterialidades. As associações desgovernadas esboçam um contato fugaz com o absurdo. Parece recordar que a vida não é definitiva. Sua estranha dialética é ser registro de uma ausência. Como um acesso de desrazão, seu teor de expressividade não cabe numa definição. Nas

O fio de Ariadne*

“Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio seu. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará”. (Cacique Seattle, da tribo Suquamish) Certos verbos não são encontrados em esquinas banais. Permanecem escondidos, se esgueirando por entre poças e becos, de onde observam os receptáculos em que intencionam se instalar e se (re)velar. São como sombras que ocultam do mundo o que ele já conhece, mas não ousa expressar. Porque a vida nem sempre abre suas portas para que as sutis e plenas entregas existenciais prevaleçam. Às vezes, ao contrário, a vida aposta em labirintos, na busca de ensaios e brechas por onde se espremem sonhos inconfessáveis. Sonhos de um desfazer, de isolamento, de uma perda que se esvai...como que exalando aquela sensação incômoda de que há algo fora do lugar, tal como uma nota dissonante ou uma cor fugidia da palheta inundada de nuances imprevisíveis. São tênues os fios que mantêm as estruturas estáveis e eles podem se romper

O Silêncio que fala Alto*

Querido leitor, aceite o meu fraternal abraço. Nos últimos anos, tenho procurado valorizar a simplicidade da vida, até de forma lúdica e ingênua, se é que dá pra falar assim. E o silenciar é um caminho tão intenso quanto profundo. Na verdade, para mim, o silêncio mostra muito. Ainda na infância lembro de dias silenciosos sem televisão, sem rádio, passávamos boa parte do tempo ouvindo e discernindo o cantar dos pássaros, se arrepiando com os sons uivantes do vento. Na tenra idade, marcou-me muito os poucos momentos em que esse silêncio era quebrado e um deles era quando o leiteiro de charrete tocava sua buzina avisando que estava passando e era a deixa para trocar a vasilha. Há poucos anos, precisamente em 2006, quando fiz o Caminho de Santiago pela primeira vez, tenho saudade dos dias inteiros em que fiz companhia para mim, em silêncio, ouvindo somente meus passos quando a bota arrastava no chão, ou até o toque o cajado dando o tom da caminhada, anunciando o ritmo da jorna

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