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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Suponho que haja tantos credos, tantas religiões, quantos são os poetas" "(...) há duas maneiras de usar a poesia (...) Uma das maneiras é o poeta usar as palavras comuns e de algum modo torná-las incomuns - extrair-lhes a mágica" "(...) Quando penso em amigos meus tão caros como Dom Quixote, o sr. Pickwick, o sr. Sherlock Holmes, o dr. Watson, Huckleberry Finn, Peer Gynt, etc. (não estou certo se tenho muito mais amigos) "(...) de súbito a palavra ganha vida" "(...) imagino que uma nação desenvolve as palavras de que necessita" "(...) uma língua não é, como somos levados a supor pelo dicionário, a invenção de acadêmicos ou filólogos. Ao contrário, ela foi desenvolvida através do tempo, através de um longo tempo, por camponeses, por pescadores, por caçadores, por cavaleiros. Não veio das bibliotecas; veio dos campos, do mar, dos rios, da noite, da aurora" "(...) gostaria de dizer que cometemos um

As palavras iniciais*

As expressões preliminares possuem um teor de anúncio de incertezas. Sua linguagem cifrada, em um discurso incomum, abre espaço, compartilha desafogo, reapresenta as formas do indizível. De antemão, tem-se um imenso nada a se mostrar na crise desconstrutiva pessoal. Essas palavras desarticuladas realçam um caos subjetivo em ação. Nesses conteúdos de rascunho, já se pode vislumbrar endereços existenciais, descrever a novidade chegando. Por esse começo é possível investigar o mundo das vontades, das representações. Nos ditos de assunto imediato, nem sempre confirmados no discurso posterior, os relatos oscilam em busca de legitimidade. A partir desse acolhimento, pode-se qualificar a relação clínica, regular o ângulo da visão, ajustar a lógica desse encontro singular. O teor de con-fusão entre o passado e o agora passando, além de traduzir um viés im-paciente, proporciona atenção a esse sujeito em estado nascente. Após essa antítese com as anterioridades

Por Não Estarem Distraídos*

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande po

Buen Camino*

Depois de atravessar o Caminho de Santiago andando, passei a gostar de caminhar. Solitário ou em grupo, nunca fiquei só, mesmo que não houvesse ninguém a meu lado. O pensamento se tornou meu companheiro de viagem. O corpo também assumiu papel determinante e passou a mostrar o valor de cada unha, cada dedinho do pé, cada quilo a mais por carregar. Muitas vezes não havia ninguém para compartilhar o raiar do dia, uma cafeteria cheirosa escondida no meio do nada, uma cegonha trazendo comida para os filhotes. Batia fotos, mas por melhor que fosse a câmera, não conseguia transmitir a euforia daqueles momentos. Ficava com aquelas imagens e sensações guardadas em mim. Houve uma noite especial em que me senti só. O peregrino russo tirou o violino da mochila e começou a tocar no pátio do albergue. Logo um casal de gregos passou a cantar e vários outros dançavam depois de quilômetros rodados e pés cansados. Ali, apesar de estar rodeado de pessoas, senti que estava carente e precisava

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Há sabedoria em conviver com o raio. Apanhar o momento único em que o raio luz: uma ideia, um som, momento que não se repete nunca mais, capaz de gerar ideias e palavras e sons" "Heráclito vê, entretanto, na linha traçada sobre a curvatura do vaso, a convergência dos contrários, pois aí a linha reta se dobra" "O médico e o paciente foram escolhidos como exemplo da convergência dos contrários" "O rio de Heráclito rasga um curso de dois mil e quinhentos anos na literatura ocidental, recolhendo as águas de afluentes que nascem em todas as épocas. Os poetas não resistem à força de suas imagens. Combatendo os poetas, ele os atraiu. Mandou silenciar a voz dos poetas nos concursos sem molestar o poeta que trazia em si mesmo. Não silenciaria voz alguma o pensador que compreendeu o universo na contradição" "Não contemplamos o mundo de fora, como se assistíssemos a um espetáculo sentados na platéia" "Estamos sem med

Reflexões aleatórias e fragmentadas #1*

Considere que compreendeu a ideia de um autor quando for capaz de expor, com suas próprias palavras, o que foi assimilado. A memorização foi (e creio que é) fundamental para o ensino ao longo dos milênios. Mas, isso não desconsidera a interpretação. Se a gente não assimila o que memoriza, corre o risco de estabelecer diálogos vazios mesmo com uma imensa gama de conteúdos na memória. Não se deve considerar apenas a compreensão do que um autor disse, mas se o que ele disse é verdadeiro. Um texto de filosofia é um caminho e não um fim em si mesmo. O que é falado importa na medida em que se refere àquilo que diz. Experimente apreciar uma boa música, pintura ou ler um clássico da literatura após acompanhar um noticiário. A atualidade torna-se trivial. Intenta cursar uma pós-graduação e tem como escolher um bom orientador. Escolha! Tive um excelente orientador e fez toda a diferença. Estudar profundamente um autor é como conviver

Canção de Mim Mesmo*

1. Eu celebro o eu, num canto de mim mesmo, E aquilo que eu presumir também presumirás, Pois cada átomo que há em mim igualmente habita em ti. Descanso e convido a minha alma, Deito-me e descanso tranqüilamente, observando uma haste da relva de verão. Minha língua, todo átomo do meu sangue formado deste solo, deste ar, Nascido aqui de pais nascidos aqui de pais o mesmo e seus pais também o mesmo, Eu agora com trinta e sete anos de idade, com saúde perfeita, dou início, Com a esperança de não cessar até morrer. Crenças e escolas quedam-se dormentes Retraindo-se por hora na suficiência do que não, mas nunca esquecidas, Eu me refugio pelo bem e pelo mal, eu permito que se fale em qualquer casualidade, A natureza sem estorvo, com energia original. 2. Casas e cômodos cheios de perfumes, prateleiras apinhadas de perfumes, Eu mesmo respiro a fragrância, a reconheço e com ela me deleito, A essência bem poderia inebriar-me, mas não permitirei. A atmosf

O texto e a vida*

Em uma obra de essência inacabada, a pluralidade discursiva, nem sempre coerente e recheada com algum tipo de fundamentação, exibe capítulos de uma subjetividade em vias de acontecer. Nessa arquitetura de palavras, a versão dos rascunhos se inicia na multidão improvável dos sentidos sem tradução. Por esse não-lugar se alternam pronuncias da voz na palavra escrita. Um apurado senso de irrealidade parece tomar conta da estrutura narrativa. Ao (re)nascer de cada pessoa uma nova obra se inicia. As lógicas da incompletude ampliam as chances para descrever o infindável movimento da vida. Sua eficácia institui novos parágrafos existenciais e se oferece como possibilidade inadiável de reescritas. A autoria, em sua singularidade, esboça um cotidiano de páginas inéditas. A letra parece querer anunciar, desvendar, transgredir cotidianos em roteiros de inconclusão. Uma estranha alquimia ressoa no desajuste das entrelinhas. Como uma literatura que se esboça aos sons do silêncio, da

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas" "Numa evolução verdadeiramente criadora, existe apenas uma lei geral, segundo a qual um acidente está na raiz de qualquer tentativa de evolução" "Requer-se o novo para que o pensamento intervenha, requer-se o novo para que a consciência se afirme e a vida progrida. Ora, em princípio a novidade é, evidentemente, sempre instantânea" "Mas a função do filósofo não será a de deformar o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrato do concreto, para permitir ao pensamento evadir-se das coisas ?" "(...) ela leva em conta não apenas os fatos, mas também, e sobretudo, as ilusões - o que, psicologicamente falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do espírito é ilusão antes de ser pensamento"  "Para as concepções estatísticas do tempo, o intervalo entre dois instantes é apenas um intervalo de probabilidade; quanto mais

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