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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"Não muito mais adiante, Sócrates compara a uma droga (phármakon) os textos escritos que Fedro trouxe consigo. Esse phármakon, essa medicina, esse filtro, ao mesmo tempo remédio e veneno, já se introduz no corpo do discurso com toda sua ambivalência. Esse encanto, essa virtude de fascinação, essa potência de feitiço podem ser - alternadas ou simultaneamente - benéficas e maléficas"

"Descrevendo o lógos como um zôon, Platão segue alguns retóricos e sofistas que, antes dele, opuseram à rigidez cadavérica da escritura a fala viva, regulando-se infalivelmente sobre as necessidades da situação atual, as expectativas e a demanda dos interlocutores presentes, farejando os lugares onde ela deve se produzir, fingindo curvar-se no momento em que ela se apresenta ao mesmo tempo persuasiva e constrangedora. O lógos, ser vivo e animado, é também um organismo engendrado"

"Thot repete tudo na adição do suplemento: suprimindo o sol, ele é outro que o sol e o mesmo que ele: outro que o bem e o mesmo que ele, etc.. Tomando sempre o lugar que não é o seu, e que se pode chamar também o lugar do morto, ele não tem lugar nem nome próprios. Sua propriedade é a impropriedade, a indeterminação flutuante que permite a substituição e o jogo

"Todas as traduções nas línguas herdeiras guardiãs da metafísica ocidental têm pois, sobre o phármakon um efeito de análise que o destrói violentamente, o reduz a um dos seus elementos simples ao interpretá-lo, paradoxalmente, a partir do posterior que ele tornou possível. Uma tal tradução interpretativa é, pois, tão violenta quanto impotente: ela destrói o phármakon, mas ao mesmo tempo se proíbe atingi-lo e o deixa impenetrado em sua reserva"

"A escritura não é melhor, segundo Platão, como remédio do que como veneno. Antes mesmo que Thamous anuncie sua sentença pejorativa, o remédio é inquietante em si. É preciso, com efeito, saber que Platão suspeita do phármakon em geral, mesmo quando se trata de drogas utilizadas com fins exclusivamente terapêuticos, mesmo se elas são manejadas com boas intenções, e mesmo se elas são eficazes como tais. Não há remédio inofensivo. O phármakon não pode jamais ser simplesmente benéfico"

*Jacques Derrida in "A farmácia de Platão". Ed. Iluminuras. SP. 2005.

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