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Dos sentidos da leitura*


                                     
Uma obra pode se traduzir em múltiplas direções. Ao reescrever-se aprecia significar, criticar, derivar, tendo como ponto de partida uma autoria. Os sentidos da leitura se deixam encontrar nos recantos da literalidade, onde a história, seus personagens e roteiros convivem com uma mensagem em movimento.  

A plasticidade de seu discurso se atualiza na re_visão de cada página. Num enredo deslocável, multiplica-se de acordo com a estrutura do leitor. Ao inexistir um só olhar, é possível desler o teor narrativo do autor inicial. Para superar a primeira vista e reiniciar a obra, muitas vezes, é preciso subverter suas origens, descobrir um não querer ser dito, nas entrelinhas do discurso primeiro. A chance de se reconhecer por inteiro na obra é muito rara, quase sempre restarão acréscimos, discordâncias, críticas à narrativa precursora diante do fenômeno leitor.

Um texto, embora possa oferecer uma polissemia hermenêutica, possui uma coerência interna com a subjetividade do escritor. O teor originário parece guardar-se à um convidado ideal. Sua referência são os lugares por onde transita, as sensações, a linguagem, os princípios de verdade a sustentar a ótica manuscrita. 

A percepção dos conteúdos parece se oferecer em camadas, nem sempre visíveis ao contato inicial. Se faz necessário tantas visitas quantas puder realizar o leitor, neste caso, também ele, um outro do outro, a emancipar o texto diante de si. Entre uma redação e sua pronuncia, existem nuanças para uma interseção das palavras com as coisas.   

Um acréscimo ou uma nova versão a cada visita, essa parece ser a fonte de problematização sobre a singularidade da obra. Essa re_apresentação surge do encontro, sempre inédito, do texto com suas possibilidades. Nessas andanças pelo universo das palavras é possível descobrir novas versões. Elas valorizam o encontro das subjetividades no território fértil da página em frente.    

Existe um eixo comum, mais ou menos consensual entre a obra e seu público-alvo, no entanto, cada narrativa possui incompletudes a espera de algum preenchimento. Um lugar irresistível ao fenômeno leitura transcender-se na direção dos seus inéditos. Assim a obra se atualiza na impermanência dos encontros de autor e leitor. Um endereço ao esboço de originais, por onde se expandem as poéticas da reescrita existencial.   

*Hélio Strassburger in “A palavra fora de si – Anotações de filosofia clinica e linguagem”. Ed. Contraponto. RJ. 2017.

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