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Sonhar*


"Será que um sonho, depois de sonhado, acomodará mudanças no sonhador?", essa é uma pergunta intrigante que o protagonista do livro "Quando Nietzsche Chorou" elabora.

Longe de responder ou concluir o tema, que penso ter raízes na poesia, gostaria sim perguntar mais, esquadrinhar uma série de dúvidas destinadas aos sonhadores que estão lendo essas linhas. A quem os sonhos são mais que um gosto doce ou amargo ao acordar, mas um alento na dureza dos dias.

Penso que o próprio sonho, para alguns, pode ser um submodo, ou seja, uma maneira da pessoa lidar com suas questões íntimas. Ao lembrar e reviver o que foi sonhado, em alguns casos, se encerram questões existenciais, significados são atribuídos, para que a vida tome outros rumos.

Mas ainda assim, o que é lembrado e o que é esquecido? Qual o sentimento que cada um traz de um sonho? O que acalenta ou o que atormenta? Como saber o universo de possibilidades em tantos infinitos particulares de quem sonha?

A teoria de Freud sobre sonhos, que data de meados de 1900, fala que esses são uma maneira de se deparar com o que realmente incomoda, e durante o dia foi descartado no pensar, soterrado entre afazeres cotidianos. O que com certeza acontece, em determinadas singularidades, já em outras vai ser de maneira diversa.

Pois se estamos em constante modificação, porquê não podem ser os sonhos, o dispositivo que denuncia o ponto cego, o que não estamos vendo, ou o que não temos a sustentação para perceber acordados?
A Filosofia Clínica, ao ter como pressuposto o conceito da singularidade, do respeito à escuta singular de cada pessoa, respeita também todas as possibilidades de manifestações, seja de comportamentos, pensamentos ou sonhos. A cada sonhar é acordada também outra singularidade, que só encontra a maneira de se manifestar no devaneio.

Para outros talvez o sonhar seja somente uma vaga lembrança, que não ecoa ao longo do dia, não ressoa os passos de quem acordado, não atribui importância ao seu próprio sonhador.

Hanna Harendt, em "A Vida do Espírito" , disse que "nada do que vemos, ouvimos ou tocamos pode ser expresso em palavras que equiparem ao que é dado aos sentidos". Esse ser sonhador que  se revela a cada sono, é mais abstrato ainda, mais etéreo pois se esvai a cada despertar, deixando um rastro fugidio, que cada um, a sua maneira, persegue acordado.

Como diria Drummond:
"Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência."

*Luz Maria Guimaraes
Diretora da Santo Expedito – Design Gráfico. Filósofa Clínica
Porto Alegre/RS

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