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A experiência como uma forma de estagnação*

 

Alguns de nós tiveram um lado cientista desde criança: abrir lagartixas, jogar um brinquedo no ar, pular de alturas perigosas, colocar o dedo na tomada etc. foram algumas das atividades que nos abriam para novos mundos. Não éramos os mesmos depois de quebrar um braço pulando de uma escada pensando que conseguiríamos voar como o Superman. Neste caso, nem a maçã de Newton teria sido tão convincente para nos provar a existência de uma gravidade. 

No entanto, a noção de que diversas experiências ao longo da vida podem nos tornar abertos ao novo nem sempre se realiza. Isso pode ocorrer por diversas razões dentre as quais está a confirmação de uma ideia solidificada. 

Na ciência da nutrição (da qual me aproximo como um amador) isso é bastante comum. Ao isolar determinadas (muitas) variáveis é possível dizer que comer carne pode gerar ou prevenir um câncer, que o jejum é benéfico ou maléfico etc. Pensar em ciência exata construída por seres humanos não tão exatos é algo bastante ambíguo. 

No caso de indivíduos, essa ambiguidade do uso da experiência como parâmetro de segurança também pode estar presente. Anos de experiência com determinadas práticas ou estudos tanto podem atualizar as conclusões quanto reforçar antigas crenças construídas. É o que costumam chamar de viés de confirmação. 

O viés de confirmação é basicamente o uso filtrado das informações a fim de confirmar o que o sujeito já acredita. Isso pode ser alcançado com investigações ou vivências bastante informais e também com método. Ao não se abrir às exigências de adaptação ao novo conhecimento, a pessoa pode defender como errada uma ideia que contraria suas teses. 

Essa autodefesa pode cumprir uma função na vida da pessoa que não deve ser desconstruída. Nos enganamos achando que esse é um ponto cego presente somente no “outro”. Possuímos verdades subjetivas irrevogável e acreditamos piamente que se trata de uma verdade absoluta. 

Talvez tais experiências que consistem em perpetuar um viés de confirmação podem ser revistas na medida em que a estagnação que gera prejudica o indivíduo. Caso contrário, como diz o ditado: “Não se mexe em time que está ganhando”. 

Essa ideia fixa não é um privilégio daqueles que, por exemplo, não estudam. Veja alguns intelectuais que defendem a mesma ideia há cinquenta anos. Será que descobriram uma verdade inacessível a outros ou resolveram não aceitar que suas ideias podem ser imperfeitas e poderiam ser modificadas? 

Trata-se, portanto, de uma característica humana presente em maior ou menor grau em nós. Faz parte das nossas condições de existência. Em algumas ocasiões, fácil de lidar, em outras, quase impossível. Em alguma medida, essa é parte de minha verdade subjetiva.

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo

Filósofo. Escritor. Filósofo Clínico.

Teresópolis/RJ

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